quarta-feira, 17 de julho de 2024

A Força em frangalhos?

Quando a apatia se torna a norma, qualquer franquia padece.
E Star Wars é mais uma a trilhar este caminho.

 

Desde que me conheço por gente, tenho sido fã de Star Wars. Dos meus tempos de infante à vida adulta, a saga espacial de George Lucas sempre esteve presente em minha vida. Quem acompanha este blog teve diversas evidências disto, seja em meu texto de minhas Lembranças de Star Wars, como em tantos outros publicados neste espaço.

Um outro atestado desta devoção: desde que passei a ter acesso à internet, quase nunca fiquei um dia sem vislumbrar conteúdos relacionados à galáxia muito distante. Não, não há exagero nesta frase. Estou sempre a ler algo ou a ver vídeos sobre os filmes, as séries e demais produtos relacionados. 

Ou seja, Star Wars, para mim, é algo natural e prazeroso. É o vício que não faz mal. O que desejo afirmar com isto é que consumir Star Wars nunca foi difícil.

Entretanto, esta máxima começou a mudar com as últimas produções da franquia. Em especial, The Acolyte. Nunca precisei me forçar a consumir algo da franquia como tive que fazer com esta série. 

Atuações fracas (salvo raras exceções, em especial Lee Jung-jae e Manny Jacinto, que se esforçam para entregar boas performances, mesmo sem material decente para trabalhar)), uma trama desinteressante, com situações risíveis e ilógicas (pra escrever o mínimo, mesmo ao tratarmos de uma fantasia espacial) e valores de produção que deixam a desejar.

A impressão que fica é que os realizadores ou não conhecem o material que têm em mãos ou simplesmente não se importam. Ou ambos. O resultado é uma obra repleta de diversidade e representatividade, mas sem qualquer outro fator que a torne memorável. E com maniqueísmos e relativismo moral, vistos claramente na Mestre Vernestra, personagem empoderada e cheia de virtudes, mas que, no fim, se mostra apenas uma hipócrita: diz defender a verdade, mas, quando conveniente, não hesitou em fomentar uma mentira, ao custo da memória de um colega Jedi e, nas palavras dela, um "querido amigo" (com uma amiga dessas, quem precisa de inimigos, não é?). E este tipo de hipocrisia e conveniência acontece com quase todo personagem de empoderamento e diversidade em diversas franquias.

Roteiros que parecem escritos por pessoas com sérios problemas cognitivos, quase um deboche à inteligência do espectador. As fanfics que escrevi são mais interessantes do que a trama desta série (que, aliás, mais parece um fanfilm de grande orçamento, mas sem qualquer inspiração). Se o intuito era criar discórdia para gerar engajamento (o velho "fale mal, mas fale de mim"), então o objetivo foi alcançado com sucesso. E se tolos produzem uma obra e continuo a consumir, tenho que fazer minhas as palavras de Obi-Wan Kenobi:

Para tudo em minha vida, sempre faço um esforço para não ser negativo, para dar o benefício da dúvida. Após isso, uma vez formado meu conceito, opino com total conhecimento de causa. Acompanhei a série do início ao fim. Não há como evitar a sensação de que Star Wars agoniza. É preciso "dar um tempo". Maturar melhor as próximas produções. Deixar um "gostinho de quero mais".

Sejamos francos. Desde que a Disney adquiriu a Lucasfilm, poucas produções realmente se mostraram bem-sucedidas entre fãs e o público em geral. Com O Despertar da Força, a franquia foi reiniciada e, ainda que repetisse muito da fórmula do "Guerra nas Estrelas original", os novos personagens e a presença dos antigos foram suficientes para cativar a audiência. Depois disso, Rogue One se mostrou consistente, competente e dava esperança de um futuro brilhante para a franquia. Eu certamente estava muito otimista.

Entretanto, com Os Últimos Jedi, o panorama começou a mudar, ao se mostrar um filme divisivo, que tentou desconstruir conceitos e personagens, "inventar moda" e "reinventar a roda". O filme-solo do Han Solo, apesar de todos os problemas de bastidores, foi um bom entretenimento, mas não se fez relevante. E A Ascensão Skywalker foi uma colcha de retalhos que tinha a inglória tarefa de encerrar a saga e, ao mesmo tempo, consertar o que o episódio anterior quase estragou por completo.

A Lucasfilm tentou replicar a "fórmula Marvel" para suas produções: um filme por ano, intercalado com animações e séries televisivas O tempo mostrou que esta fórmula não era adequada para Star Wars (e atualmente, não tem funcionado sequer para a própria Marvel). Das séries em live-action produzidas até o momento, somente as duas primeiras temporadas de The Mandalorian se salvam (a terceira deixou a desejar). Além disso, a primeira temporada de Andor também se mostrou digna. Todas as demais foram fracas ou, quando muito, medianas.

A saturação chegou. A abundância de produções simultâneas é um problema para qualquer franquia. Aconteceu com "Jornada nas Estrelas", no início dos anos 2000. Quando há muito a se consumir, tudo parece menos especial. Entretanto, quando tudo se torna raro, o interesse tende a se dispersar. Encontrar um equilíbrio sempre foi tarefa complexa. Mas não é esta a principal premissa de Star Wars, o "equilíbrio da Força"?

Além disso, a constante mania dos realizadores atuais em Hollywood em querer impôr agendas e pensamentos ao público levou ao cansaço e, pior, à apatia. Fãs de longa data deixam de se importar com franquias outrora queridas. Deixam de consumir. Nada pode ser pior como modelo de negócio. E não é novidade. Já aconteceu no mercado de histórias em quadrinhos, já aconteceu com outras produções de cinema e televisão. Os fãs mais antigos (ou seja, "clientes fidelizados") são desconsiderados e se tornam alienados, em prol de uma busca por novos públicos. E tal busca, na maioria dos casos, se mostra infrutífera, pois os tais "novos públicos" não demonstram interesse genuíno pelo material apresentado (mesmo quando feito especialmente para eles).


Novamente, é péssima estratégia do ponto de vista puramente comercial. Ainda há obras que fogem às tendências de Hollywood, como "Top Gun Maverick " e "Um Tira da Pesada: Axel Foley". Ambas as produções são recauchutagens competentes dos filmes originais, com algumas adaptações aos tempos recentes. Da mesma forma, "O Dublê" (versão para cinema da série "Duro na Queda") é um bom divertimento, simples e eficiente. Séries como "A Casa do Dragão", "House of Ninjas" e "Shogun" foram bem-sucedidas ao manter o foco em desenvolver boas tramas. Também vale citar "Godzilla Minus One" que, com um orçamento muito menor do que a maioria dos blockbusters atuais, entregou um produto final melhor.

E há outro fator atenuante: quando as produções fracassam, os realizadores não têm a humildade de assumir as falhas. Ao contrário, culpam os fãs de longa data e os acusam de todo tipo de "crime": uma hora são chamados de racistas, na outra são machistas, homofóbicos, "tóxicos" e assim por diante. E, sim, há exageros e abusos por parte de fãs. Sempre houve. E se acentuou nos anos 1990, com a popularização da internet. Mas dois errados não fazem um certo.

A maioria dos fãs apóia sua franquia preferida, consome o que é produzido e, uma vez decepcionada, tem o direito de reclamar de algo que não lhe agradou. Isto não é racismo, machismo homofobia ou toxicidade. A insatisfação do "cliente" não pode ser desprezada. Mas hoje isto parece uma noção totalmente estranha para os responsáveis por franquias longevas e multimilionárias. Para estes, é mais fácil dar chilique e taxar os fãs das mais diversas formas, ao invés de fazer uma auto-avaliação e perceber os próprios erros. 

Muitos conceitos precisam ser revistos. O público cansou desta rotina e quer sentar em uma sala de cinema ou na frente da televisão para ter um bom entretenimento, um simples escapismo, sem ser bombardeado com agendas políticas torpes o tempo todo. Menos ainda quando estas são impostas, sem que haja um convite sincero ao questionamento (algo que tanto a série clássica de "Jornada nas Estrelas" quanto "A Nova Geração" sempre fizeram muito bem, só para citar dois exemplos).

Enquanto isto não mudar, veremos mais e mais franquias queridas e bem-sucedidas a acumular fracassos retumbantes. Os números de audiência (e, principalmente, de arrecadação) já apontam isto. Os fãs e o público em geral já deram o recado. Resta aos estúdios e realizadores ouvirem. Quem tiver humildade e souber atender ao seu público continuará a ter sucesso. E não é assim para tudo na vida?