domingo, 17 de dezembro de 2017

Deixe o passado morrer?

Estréia de Star Wars: Episódio VIII - Os Últimos Jedi.
E lá estava eu, pronto para conferir mais um capítulo da saga espacial mais amada desta e de todas as galáxias.


Minhas impressões sobre o filme compartilho agora (texto COM SPOILERS).


Antes de começar, afirmo o óbvio: sou fã inveterado da franquia. Além disso, sou uma pessoa que vai ao cinema já gostando do filme que vai ver. Ou seja, para que eu saia desapontado após uma exibição, o filme tem que fazer muita força comigo. Assim, é complicado escrever que não fiquei totalmente encantado (ao menos não como esperava) com um filme de Star Wars.

O tom soturno e melancólico, além das decisões arriscadas em relação a diversos personagens, à trama e a toda a saga são pontos a serem elogiados. Mas também criticados. É o filme mais "adulto" da franquia, alguns dirão. Desta forma, reviravoltas acontecem, novos personagens surgem, antigos personagens dão adeus.

É o filme mais "adulto", mas se perde em muitas piadinhas que não funcionam (como Poe tirando sarro de Hux no início do filme). São piadas típicas de sitcoms estadunidenses, que não se encaixam em um universo que pretende ser atemporal.

Tudo fica mais complicado quando percebemos que praticamente todo o elenco entregou atuações mais do que competentes. Adam Driver tornou Kylo Ren um personagem muito mais interessante. Daisy Ridley idem. Kelly Marie Tran e Laura Dern surgiram no meio da projeção e consolidaram Rose e Holdo com competência. Carrie Fisher fez bonito. Mark Hamill foi perfeito. Ou seja, o problema não está nas performances, está na trama mesmo.

Entretanto, a mudança na caracterização de Poe Dameron me incomodou um pouco. Antes mostrado como um piloto exemplar, agora apresentado como um "encrenqueiro", que desobedece ordens e só pensa em explodir o que estiver à sua frente. Qual é o verdadeiro Poe? Aquele do Episódio VII ou este do Episódio VIII? Se ele sempre foi encrenqueiro, então talvez todos os problemas que a Resistência enfrentou em O Despertar da Força foram causados por ele, certo? Se o verdadeiro Poe é este visto em Os Últimos Jedi, o que fez com que mudasse sua conduta?


O suspense da perseguição espacial funciona em um primeiro momento, mas logo a seguir cansa. Seria completamente pedante, se não fosse pelas decisões tomadas pela almirante Holdo.


A sub-trama com Finn e Rose poderia ser completamente descartada. Pelo menos serviu para justificar a bela mensagem de Rose no terceiro ato do filme: "nesta vida não devemos lutar para destruir o que odiamos, mas para salvar o que amamos".


Finn foi completamente inútil. Tudo que fez foi falhar. Certo, uma das mensagens do filme é justamente "aprender com os erros". Finn falhou em sua missão em Canto Bight. Seu duelo com Phasma foi de pouca conseqüência (exceto a suposta morte da capitã). E justamente quando se sacrificaria como herói para salvar seus amigos, foi impedido por Rose. Agora compare com o Finn do Episódio VII. Ele foi o primeiro stormtrooper a abandonar a Primeira Ordem, ajudou a libertar Poe, auxiliou Rey e BB-8 a alcançarem a Resistência, ajudou Han na infiltração (e posterior destruição) da Base Starkiller. Enfrentou Kylo Ren. Nada além de heróico. Será que os erros de Finn foram melhores professores (e melhores exemplos) do que seus atos de heroísmo?

Outros pontos questionáveis:

Mesmo com competente atuação de Daisy Ridley, a Rey super-poderosa continua não convencendo. Sejamos francos, ela apresenta todo tipo de habilidade e poder apenas por imposição do roteiro. Resta torcer para que o Episódio IX ofereça algum tipo de explicação mais plausível dentro do universo.

Já que toquei no assunto, temos a visão de Rey, momento que poderia ser mais interessante, mas tem apenas resultado nulo. No início Rey não sabe quem são seus pais. No final Rey não sabe quem são seus pais. Qual a necessidade daquela cena então? Coube a Kylo Ren dizer quem eram os pais de Rey. Não, nenhuma linhagem poderosa na Força. Apenas duas pessoas comuns, de atitudes questionáveis. Cabe ao espectador acreditar ou não na palavra de Kylo Ren. Se verdade for, a saga da família Skywalker provavelmente se encerrará com Ben Skywalker Solo

E quanto a Leia? Temos o "momento Guardiões da Galáxia" ou "momento Mary Poppins", no qual Leia flutua no espaço. Mostra que ela tem, sim, grande poder na Força. Mas por que nunca o desenvolveu? E se o desenvolveu, por que nunca o usa?

Hux, Phasma, Rose. Personagens completamente dispensáveis, assim como seus arcos (quando existentes). Poderiam ficar restritos a livros, HQs e afins. E pouca falta fariam.

Mortes de personagens significantes: Holdo. Ackbar. Phasma (será?), Snoke. Destes, apenas o sacrifício de Holdo e a morte de Snoke tiveram real impacto. A morte do Líder Supremo serviu para mostrar que Kylo é muito mais poderoso e incontrolável, além de traçar um paralelo com Vader/Palpatine. Até aí tudo bem. Mas mostrar um close de Snoke morto, com a língua de fora, causando risos da platéia, foi mais um exemplo de piadinha visual desnecessária. Criou-se grande suspense sobre o personagem (com ele o filme inteiro demonstrando grande poder), para resultar em risadinhas tolas. Para entender meu ponto, compare ao choque da brutal morte do Conde Dooku, no Episódio III. Tente lembrar se você deu alguma risada neste momento.


Cito agora alguns momentos que me empolgaram e cativaram: 

A aparição de Yoda. Bacana, embora a aparência da marionete tenha ficado estranha, em um primeiro momento.

Efeitos visuais e sonoros espetaculares, como esperado em qualquer filme da franquia. Trilha sonora primorosa. John Williams se supera a cada iteração da franquia. A trilha torna magníficos alguns momentos que tinham tudo para ser simplórios. E nos momentos realmente épicos, adiciona uma carga emocional ainda maior.

A produção investe no desenvolvimento dos personagens, em especial Rey e Kylo Ren. Isto certamente deixou o filme mais lento. Mas as relações entre os personagens foram construídas de forma apropriada.

Kylo Ren se tornou um personagem mais complexo e um vilão "de verdade". E um interessante paralelo pode ser traçado entre tio e sobrinho. Luke pretende terminar com os Jedi. Kylo quer o fim de tudo (Jedi, Sith, Primeira Ordem, Resistência). Ambos são extremistas? Ao final da trama, Luke parece ter desistido da idéia, já que reconhece que os Jedi continuarão com Rey.

Terceiro ato inspirado. Muitos acontecimentos intensos, em que o diretor poderia perder a mão, mas mantém um ritmo consistente.

O combate de Rey e Kylo Ren contra os Guardas Pretorianos de Snoke é empolgante. Na verdade, todas as cenas na sala do trono de Snoke são interessantes.


Ainda assim, é o primeiro filme da saga (exceto Rogue One, óbvio) que não apresenta um combate apropriado de sabres-de-luz. Pois Rey e Kylo não duelam entre si. E quando Luke enfrenta Kylo Ren, os sabres não se encontram uma única vez.


E agora, o momento que causou furor entre os fãs: a morte de Luke.

O mais poderoso Jedi estava com pleno domínio do duelo. E a fuga de Leia, Poe e os demais estava garantida. Luke cunpriu seu papel. Talvez ele tenha "perdido a vontade de viver" (tal mãe, tal filho). Talvez todo o poder usado para se projetar até Crait o tenha esgotado, mas ainda assim, não convenceu.

Para meu círculo mais próximo de amigos, eu já havia "cantado a pedra". Afirmei que em cada filme da nova trilogia, um dos personagens clássicos (Han, Leia, Luke) morreria. Minha afirmação foi recebida com descrédito. Afirmei que, após Han, Luke seria o próximo e Leia depois, provavelmente em um confronto final com seu filho. Com a morte de Carrie Fisher, imaginei que a ordem seria alterada e Leia morreria no Episódio VIII. Ainda assim, a morte destes personagens não é o que me desapontou. O desapontamento, (principalmente para fãs de longa data) é não poder mais ver um filme com o trio lendário reunido novamente. É nunca ter visto um filme com Luke como um Mestre Jedi em seu auge, em plena ação. O que vimos foi um homem amargurado, que se fechou para a Força e seus poderes. E quando finalmente testemunhamos seu retorno, tudo não passou de uma "projeção astral", uma ilusão. Luke enganou a todos, incluindo a platéia. Golpe baixo, R2?

Através da morte de Luke, o filme apresenta a idéia (quase um fetiche da geração atual em Hollywood) de que tudo que é antigo é obsoleto, irrelevante e deve chegar ao fim. De que toda a sabedoria adquirida ao longo dos milênios (na nossa galáxia ou na galáxia muito distante) de nada vale. Só o que vale é o presente. Até mesmo R2-D2 sofre nestes novos filmes, sem qualquer relevância em ambos (exceto pelo "golpe baixo" que ele aplica em Luke). Novamente, o novo (BB-8) toma o lugar do antigo (R2-D2). E o antigo deve simplesmente ser deixado de lado.

"Deixe o passado morrer", diz Kylo Ren durante o filme. Será que devemos deixar o passado morrer, mesmo quando ele foi bom e dele tiramos lições importantes para a vida? Devemos deixar o passado morrer em favor de um presente cada vez mais contido apenas no momento, sem utilizar a sabedoria adquirida, em direção a um futuro incerto? "Deixe o passado morrer" é uma frase bonita e de impacto. O certo seria "não deixe o passado controlar seu presente e ditar os rumos do seu futuro, mas aprenda com seu passado para trilhar seu próprio caminho". Mas aí a frase ficaria muito longa e muito complexa para audiências cada vez mais preguiçosas. Portanto, livre-se de tudo que veio antes, acabe com tudo, mate os personagens lendários. E assim por diante.

Enfim, sobre a morte dos personagens lendários, é preciso se ater às palavras de Yoda: "a morte é uma parte natural da vida. Alegre-se por aqueles que se transformam na Força".


Além do mais, provavelmente Luke retornará como um espírito da Força.

E por falar nela, a Força é um campo de energia que cerca todos os seres vivos, como uma manifestação de seres orgânicos. Luke conseguiu aparecer para todo o grupo de Leia em Crait, puramente através da Força. Todos os seres vivos ali presentes o viram. Mas como C-3PO (uma máquina) conseguiu enxergá-lo? Furo do roteiro?

Talvez seja o filme mais ousado da franquia. E isto é bom. Só não foi ousado com os personagens principais. O sacrifício de Finn na batalha de Crait, por exemplo, teria grande impacto, mostraria que tudo pode acontecer, que ninguém está a salvo (inclusive o trio principal de heróis). E que sacrifícios têm real custo para Rey, Poe e demais (inclusive a platéia). Por mais ousada que possa parecer, a decisão de matar os personagens icônicos acaba parecendo apenas um artifício tolo, que desagrada boa parte dos fãs. Faltou a Rian Johnson ler o livro Provação.


Uma verdade precisa ser dita. Os novos filmes em alguns momentos acusam a falta do "espírito" que George Lucas empregou nos episódios anteriores. J.J. Abrams e Rian Johnson ofereceram bons filmes, bons entretenimentos, mas sequer se aproximaram do toque peculiar que Lucas sempre empregou em suas produções (e isto que eles são diretores melhores que o tio George).

Todos pedimos por mais Star Wars. Pedimos por situações e personagens diferentes. E tudo que é diferente causa estranheza no primeiro momento. Acredito que o Episódio VIII é um daqueles filmes que se tornam melhores nas próximas vezes em que são revistos. Além disso, boa parte dos fãs sempre foi acostumada com a idéia de que Star Wars deveria ser sempre um evento que ocorre a cada três anos. Atualmente temos um filme por ano (e isso é bom), além de uma infinidade de produtos relacionados (e isso é bom). Mas ao mesmo tempo, Star Wars passa a enfrentar o problema da saturação de qualquer franquia. O esgotamento da fórmula. E isto leva a buscar mudanças (e isso é bom), a partir de decisões criativas arriscadas (e isto nem sempre é bom).

Tudo tem um fim. Mas creio com toda a Força que Star Wars está longe do seu. Em relação aos "defeitos" que apontei, torço para que cada palavra que escrevi esteja errada. O passado não precisa morrer para que o futuro seja brilhante. O equilíbrio é a resposta para que a Força esteja conosco, no passado, no presente e no futuro. Sempre.