terça-feira, 5 de setembro de 2023

O Justiceiro: Versão do Editor

Quando a galhofa é boa, merece ser analisada com todo o requinte que só este singelo blog oferece.

 

Um filme que sempre me cativou, apesar de todas as suas deficiências, é "O Justiceiro" (The Punisher), lançado em 1989. Uma adaptação do personagem da Marvel, estrelada por Dolph Lundgren, com direção de Mark Goldblatt. Esta obra foi lançada em uma época em que filmes de super-heróis eram vistos sem grande zelo, como investimentos de alto risco e, geralmente, produzidos com baixo orçamento. E a fidelidade ao material-fonte era quase sempre deixada de lado. 

Assim, este filme tem pouco a ver com os gibis. Todos os aspectos de produção são prejudicados: um roteiro simples, com um elenco de poucos nomes conhecidos (embora os integrantes principais atuem de forma competente). O personagem sequer veste seu tradicional uniforme estampado com uma caveira (na verdade, tentaram, sem muito sucesso, detalhar a caveira no rosto do protagonista).

Na trama, após perder sua família em um atentado, Frank Castle atua há cinco anos como o Justiceiro, matando bandidos sem dó nem piedade, e instalando uma crise no submundo do crime. Com o vácuo de poder estabelecido, surge uma líder da Yakuza para aproveitar a situação. 

Há alguns bons momentos de ação, com muito tiroteio e combates corpo-a-corpo. A atuação de Lundgren é o grande chamariz. Ele consegue capturar o senso de desespero, solidão, frieza e brutalidade do personagem, ainda que o roteiro não ajude muito. Louis Gossett Jr. também se destaca, como o detetive Jake Berkowitz, antigo parceiro de Frank Castle.

Como afirmei no início do texto, apesar das deficiências, este filme sempre me cativou. E sempre busquei adicioná-lo à coleção. Hoje, tenho a obra em VHS e DVD (bem como a HQ com a adaptação do filme). Mas faltava um item. Uma pérola que marcou o mercado de home video brasileiro no início dos anos 2000. Faltava, pois, duas décadas depois, finalmente está na coleção a edição em VCD, com uma singular "Versão do Editor". 

Aos desavisados, VCD (Video Compact Disc) é um formato de reprodução de vídeos a partir de um CD, com arquivos gravados para reprodução em aparelhos compatíveis (inclusive computadores). Basicamente, tem a mesma capacidade de armazenamento de um CD-ROM (cerca de 800 megabytes). Criado em 1993, sucedeu o LaserDisc e foi outra tentativa de estabelecer um padrão digital de disco óptico para filmes, algo que só veio a se consolidar realmente com o surgimento do DVD, alguns anos depois.

De volta à pauta. A galhofa não poderia ser mais plena. Que diabos seria a "Versão do Editor"? Quem seria o editor? Por muitos anos sempre tive a curiosidade em verificar o que havia sido editado. E agora que o título está na coleção, nada mais justo. Ao trabalho então.

A obra foi lançada pela editora Van Blad, como parte de uma coleção de revistas vendidas em bancas, chamada "VCD Collection", em que cada edição era acompanhada do disco com o filme em questão. No caso do Justiceiro, foi precisamente o primeiro número, disponibilizado em 2004. 

A nova missão é adquirir esta revista, aguarde e confie

O disco é acondicionado em estojo comum de DVD. A capa apresenta uma tarja vermelha para destacar a "Versão do Editor". No verso há as habituais informações sobre o filme e sua sinopse, além de indicar que se trata de uma versão editada. Esta "Versão do Editor" tem 60 minutos de duração. A versão original de cinema tem 89 minutos. Ou seja, praticamente meia hora a menos de conteúdo. 

Quando reproduzido em um aparelho de mesa, surge um menu para iniciar o filme ou selecionar cenas.


Já quando inserido no computador, é executado um aplicativo com um menu um pouco diferente, em que é possível visualizar um texto de ajuda, os créditos da edição e o filme, todos em uma pequena janela ao centro. 

Felizmente, com um clique na janela, o vídeo é ampliado, para melhor visualização. Está no aspecto de "tela cheia" (na proporção 1.33:1, diferente do original, em widescreen 1.85:1) e resolução de 352x240 pixels (240p).. O filme é apresentado apenas com áudio em inglês e legendas em português (sem possibilidade de ocultá-las). Não há dublagem brasileira. 

A seguir, listo todos os cortes realizados. Os créditos de abertura foram abreviados, como se vê a seguir. 

Para ilustrar os próximos cortes, usarei imagens do VHS (por serem próximas da qualidade do VCD e por também estarem em aspecto de "tela cheia").

No início do filme, toda a seqüência em que o Justiceiro mata os lacaios de Dino Moretti foi cortada. Vemos Frank Castle entrando na mansão do gângster. Logo em seguida, todos já aparecem mortos. Na versão original, vemos cada um sendo aniquilado, antes que Motetti surja e seja atacado por Castle. 

A próxima cena cortada é aquela que mostra o tenente Berkowitz investigando as mortes na mansão de Moretti e conhecendo a detetive Samantha Leary, que se tornará sua aliada na busca pelo Justiceiro. 

A cena seguinte também teve cortes. A chegada do mafioso Gianni Franco no aeroporto. Ele é entrevistado por jornalistas e, em seguida, aparece conversando com um de seus asseclas. Na versão original, após falar com a imprensa, Franco tem uma breve conversa com Berkowitz. Este diálogo foi excluído, assim coma a introdução do filho de Franco, Tommy. 

Após o ataque da Yakuza no porto e a primeira reunião de Hideko Tanaka com Franco e os demais mafiosos, a cena que mostra Berkowitz e Leary na delegacia foi excluída. Na versão de cinema, eles conversam sobre Castle. Enquanto ela acessa sistemas da polícia no computador, ele mostra itens do Justiceiro recolhidos nas cenas dos crimes.

Após o seqüestro dos filhos dos mafiosos, a versão de cinema mostra Shake, o ator bêbado que atua como informante para o Justiceiro, encontrando o vigilante nos esgotos. Aqui esta passagem foi removida. 

A seqüência que mostra dois capangas chegando ao reduto da Yakuza e os lutadores de kendo também foi eliminada. 

Uma lástima. Uma cena que sempre gostei, aquela em que o Justiceiro invade e destrói o cassino clandestino da Yakuza, foi completamente removida, assim como a seguinte, em que Berkowitz e Leary chegam ao local. 

Algumas tomadas de Frank entrando de moto no parque de diversões também foram excluídas. 

Mais uma boa cena excluída: quando Berkowitz e Leary procuram por Castle nos esgotos. Na minha modesta opinião, é uma cena essencial, pois revela o passado e a motivação de Berkowitz. 

Quando o Justiceiro rouba o ônibus para resgatar as crianças, há uma breve conversa com um passageiro embriagado. Esta foi removida. Pequenos trechos da perseguição com o ônibus também foram cortados. 

Na versão original, Berkowitz percorre um corredor na prisão, até chegar à cela onde Castle está preso. Agora, vemos apenas a partir do momento em que Berkowitz entra na cela. 

A seqüência em que Frank tem um pesadelo na prisão também foi excluída. 

Mais um breve trecho removido: quando Tanaka faz uma dança tradicional japonesa. 

Na "Versão do Editor", não se vê a cena em que o Justiceiro enfrenta dois inimigos armados com corrente e espada. Nem quando Shake esbarra em Berkowitz. 

A cena seguinte, quando Franco mata dois capangas de Tanaka também não está presente. O mesmo vale para a cena de Berkowitz com o técnico do elevador. 

O primeiro diálogo entre Franco e Tanaka foi cortado. A "Versão do Editor" já mostra o Justiceiro enfrentando a filha de Tanaka. 

E a luta final entre o Justiceiro e Franco também foi abreviada. O mesmo vale para o trecho em que Berkowitz chega ao local. No original, após falar com Tommy, eram mostradas cenas curtas do policial na cobertura do prédio, olhando para os lados, antes de gritar por Frank. Na "Versão do Editor", após encontrar Tommy, ele é mostrado caminhando para a parte externa do prédio e, logo em seguida, gritando. 

Também há pequenos cortes em vários trechos de introdução de cenas, geralmente panorâmicas ou ambientações.

É razoável supôr que a "Versão do Editor" foi criada apenas para poder ser contida especificamente no espaço de um VCD. Todos os cortes e edições não fazem muito sentido, não melhoram o desenrolar da trama (e acabam prejudicando o personagem Berkowitz). É como se fosse uma das tantas versões de filmes editadas para exibição em canais de televisão, a fim de encurtar a duração para caber na grade de horários das emissoras.

No fim das contas, o resultado é nada além de tosco e a galhofa de uma "Versão do Editor" se mantém. Geralmente, falamos sobre "Versão do Diretor" ou "Versão Estendida", que, por via de regra, trazem mais conteúdo, não menos.

Enfim, mais um item peculiar na coleção, agora devidamente esmiuçado.