domingo, 22 de março de 2020

O Superalmanaque e o enjôo

Um simples objeto pode reter diversas lembranças. Um mero gibi pode despertar memórias de ocasiões peculiares, tenham sido elas boas ou ruins.


Anos 1980. Cidra Beach. Um típico fim-de-semana fora da temporada de verão, como tantos outros que minha família costumava aproveitar. Os velhos tempos em que meus pais buscavam meu irmão e eu na escola no final da tarde e, de lá, rumávamos ao litoral, chegando sempre no início da noite.

Abríamos a casa, descarregávamos o carro. Enquanto meus pais arrumavam e limpavam a casa, meu irmão e eu encontrávamos os amigos que lá moravam para "botar o papo em dia". Na seqüência, íamos com meu pai até o centro da localidade, para ver o movimento, comprar mantimentos e/ou simplesmente passear. E neste roteiro, uma parada era sempre obrigatória: a popular Casa do Leitor. Muitos gibis, revistas, álbuns de figurinhas e afins ali foram comprados.

Em uma destas oportunidades, deparei-me com o Superalmanaque do Homem-Aranha #1. Com uma bela capa, o gibi chamava a atenção por seu número de páginas e por conter apenas tramas com o Cabeça-de-Teia, ao contrário da revista mensal do herói, que tinha menos conteúdo e apresentava aventuras de outros personagens.


Nesta revista o Aranha contracena com a Viúva Negra, além de Manto e Adaga, no combate a vilões como Abutre, Cabelo de Prata e Rei do Crime. Sem contar duas seções de curiosidades: uma mostra um "álbum de retratos da Tia May", com detalhes interessantes da família Parker. A outra apresenta o cotidiano universitário de Peter Parker. O suficiente para aguçar a curiosidade.


E assim, gibi comprado, voltamos para casa. Acabei deixando para ler a revista no dia seguinte. E aqui começa a história que quero contar. Ao acordar pela manhã, passei a me sentir mal, enjoado. Vômitos e diarréia vieram a seguir. Não havia dúvida: eu havia comido algo que o organismo simplesmente não conseguiu digerir adequadamente. Após tudo isto, veio uma leve dor de cabeça. Ou seja: adeus, fim-de-semana na praia.

"Mas por que me aborrecer? Tenho um gibi do Homem-Aranha para ler". Tudo muito bem, tudo muito bom. O problema foi que, por alguma razão, quando eu tentava ler o gibi, parecia que meu enjôo e a dor de cabeça pioravam. Sentado no sofá da sala, deitado em minha cama, o resultado era o mesmo. Lia um pouco, fechava o gibi, por vezes cochilava, voltava a tentar ler. E assim passei a maior parte do dia.


Com muito esforço, consegui ler tudo naquele fim-de-semana. Mas sempre que vejo este gibi, imediatamente me vêm à memória aquelas sensações ruins, que em seguida são sobrepujadas pelas lembranças dos bons tempos de infância, dos velhos tempos de inverno e das incontáveis aventuras super-heróicas.