domingo, 15 de setembro de 2019

O Dragão e a Pantera

Mais um texto da série "Saudosismo Maldito". Mas também poderia ser "Do Tempo do Epa", "Causos de Cidra Beach" e assim por diante.



O presente conto se deu no início dos anos 1990 (provavelmente em 1991, se não me falha a memória). À época aparelhos de videocassete  e videogames não eram tão comuns em Cidra Beach. Como possuidor destes equipamentos, era com certo orgulho que os levava, toda vez que viajava à localidade litorânea, para compartilhar com os amigos as experiências audiovisuais.

Em uma destas ocasiões, fomos a uma das poucas locadoras de fitas VHS lá existentes. O recinto se situava ao lado do ginásio de esportes municipal. Era pequeno, mas com boa quantidade de filmes. Imagine então, um grupo de amigos, todos entusiastas de artes marciais, fascinados em poder assistir às clássicas produções com Bruce Lee e às obras com a revelação da época, um tal de Jean-Claude Van Damme. Era mais do que óbvio que um filme de pancadaria seria locado para o divertimento de todos.

E assim, um dos amigos logo surgiu com uma pérola em mãos. O Desafio do Dragão. Em sua inocência oriunda do pouco conhecimento cinematográfico, meu amigo afirmava ser o novo filme do Van Damme. Tentei argumentar, afinal, apesar do título ser parecido com "Kickboxer: O Desafio do Dragão", o filme que ele tinha em seu poder não era estrelado pelo astro belga.


Minha argumentação não surtiu efeito. Os demais amigos logo formaram coro a demandar que aquele filme deveria ser locado. Fui voto vencido.

Em nossa comitiva também estava meu irmão. Por ser mais novo e com pouco interesse em filmes de artes marciais, ele escolheu locar uma fita com desenhos da Pantera Cor-de-Rosa, Na Onda da Pantera.


Locamos as fitas e nos dirigimos à minha casa, para assistir sem perda de tempo aquele que meus amigos esperavam ser um sensacional filme de lutas. Meu irmão, entretanto, passou a dizer que queria ver os desenhos primeiro. Meus amigos protestaram. Meu irmão continuou com sua exigência. Um de meus amigos, em especial, fazia questão de assistir ao filme de artes marciais. Vou chamá-lo aqui apenas de "Dudu". Dudu passou a exigir que deixássemos os desenhos para depois. Meu irmão começou a ficar triste.

Para evitar maiores problemas, sugeri a todos que assistíssemos a um ou dois desenhos primeiro, para logo depois passarmos ao filme. Assim, meu irmão não seria contrariado e todos nós poderíamos apreciar a pérola do kung fu depois. Felizmente, todos aceitaram a sugestão, embora Dudu o tenha feito a contra-gosto.

De qualquer forma, inseri a fita no videocassete e passamos a assistir às animações. Ao final do segundo desenho, falei para meu irmão que então deveríamos assistir ao filme. Qual não foi minha surpresa quando, com velados protestos, Dudu passou a demandar que assistíssemos aos desenhos até o final.


Foi o suficiente para todos os presentes caírem na risada. Assistimos a todos os desenhos, que nos trouxeram ainda mais divertimento. Passamos então para o filme e... digamos que fui o único que conseguiu assistir até o final (mais pela obrigação, já que a fita foi locada em meu nome, do que por qualquer outra coisa).

A produção de 1973 (cujo título original chinês é Qi Sha Jie, também conhecida como Infernal Street) mostra um jovem lutador que enfrenta traficantes em um vilarejo chinês. A obra apresenta boas cenas de luta, embora sem a maestria de Bruce Lee ou Jackie Chan. Mas a trama é arrastada, pouco cativante (não suficiente para manter o interesse de meus amigos).


Todo este acontecimento serviu para oferecer mais uma lição só ensinada em Cidra Beach. Entre o dragão ou a pantera, foi melhor acompanhar quem já conhecíamos. Ou seja: o desconhecido pode reservar boas surpresas... ou não.