quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody

E vamos com mais uma resenha. Desta vez comentarei sobre Bohemian Rhapsody, a cinebiografia de Freddie Mercury e do "conjunto Queen", uma das bandas mais influentes e populares da História. Desde já aviso: texto com SPOILERS (mas se você não conhece a trajetória do Queen, merece tomar spoiler mesmo).



O filme acompanha a jornada do Queen, do primeiro encontro de Freddie Mercury com Brian May e Roger Taylor até a apoteótica apresentação no Live Aid, em 1985, passando por diversos momentos emblemáticos do quarteto: a criação dos maiores sucessos, as desavenças, as complicações de bastidores, a postura sempre serena e despretensiosa de John Deacon e, é claro, o lado pessoal e o estilo de vida de Freddie.

Apesar das liberdades criativas tomadas com relação à cronologia da banda (muitos acontecimentos fora de ordem, outros tantos condensados e compactados em um mesmo momento), o filme mantém um ritmo consistente e tais decisões não incomodam tanto, embora fãs mais afoitos podem reclamar que Freddie não usava bigode à época da gravação de We Will Rock You ou que o vocalista já tinha bigode quando se apresentaram no Rock In Rio (cuja antológica performance de Love of My Life acontece antes do tempo no filme).

 
Há vários detalhes e referências que os fãs mais atentos vão reconhecer. Até mesmo a hilária entrevista que Freddie concedeu a Glória Maria é referenciada. Durante a cena da coletiva de imprensa para o lançamento do disco Hot Space, a primeira pergunta feita ao vocalista é justamente uma das perguntas feitas pela jornalista brasileira: "como é ser o líder da banda?". Ao que Freddie responde "não sou o líder (leader) da banda, sou apenas o vocalista (lead singer)".

Sobre o elenco, pouco a criticar. Embora os olhos esbugalhados e a feição "meio perdida, meio chapada" de Rami Malek em nada se pareçam com o olhar vivo e curioso de Freddie, o ator entrega uma performance excelente, capturando trejeitos e maneirismos. Os demais intérpretes também fazem bonito. Em muitos momentos, parece que estamos vendo os músicos reais (e não atores).


O elenco de apoio demonstra competência, tornando plausíveis os personagens que circulam a banda, embora em muitos momentos o roteiro os torne caricatos. E vale citar Mike Myers, que interpreta Ray Foster (personagem fictício, um executivo da EMI que não levava fé na banda). A presença do comediante não é por acaso. A própria banda afirmou algumas vezes que Myers foi responsável por introduzir Bohemian Rhapsody e Queen a novas gerações, nos anos 1990, na já clássica cena do carro de "Quanto Mais Idiota Melhor".

 
A trilha sonora, como era mais do que esperado, é repleta dos maiores sucessos da banda, ainda que muitos destes tenham apenas uma breve aparição (senão, seria preciso um filme de quase quatro horas para abordar cada um com propriedade).

Apesar dos inúmeros acertos, o filme tem alguns momentos fracos, geralmente quanto trata da vida pessoal de Freddie e a relação com seus familiares. Muitos acontecimentos rápidos, sem muito impacto, deixando até uma sensação de "dramalhão mexicano". O uso de drogas e a vida amorosa conturbada também são mostrados, mas não tão bem explorados, o que pode decepcionar quem esperava que o filme fosse um estudo aprofundado da persona Freddie Mercury. Isto, em boa parte, se deve ao fato de Brian May e Roger Taylor serem produtores do filme (certamente preferiram manter o foco na banda e no lado musical, a fim de tornar o filme mais abrangente para todas as audiências).

A produção se encerra com a apresentação no Live Aid. Mas todo mundo sabe (até minha vó sabe) que outros momentos marcantes vieram depois: em 1986 lançaram o disco A Kind of Magic e saíram em uma turnê grandiosa e bem-sucedida. Freddie descobriu que tinha AIDS (em 1987 e não antes do Live Aid, como o filme mostra). Devido à saúde do vocalista, abandonaram as turnês, mas continuaram lançando videoclipes, outras músicas e discos e trabalhando em estúdio até pouco antes da morte de Mercury (que deixou material depois utilizado no disco póstumo Made In Heaven, que contém a última música cantada por Freddie, Mother Love).

 
Na última cena da produção, é interessante notar a forma como o quarteto deixa o palco: primeiro Freddie (falecido em 1991), depois John Deacon (que gravou a última música com a banda em 1997 e depois abandonou a vida pública) e, por último, Brian May e Roger Taylor (que continuam na ativa, mantendo o legado do Queen).

Cinebiografias são obras difíceis, uma que vez que é extremamente complicado condensar em duas horas de projeção toda uma vida de realizações (ainda mais quando o biografado tem uma lista extensa e memorável). A fórmula acaba sempre sendo uma "colcha de retalhos", que mostra as situações mais relevantes e tenta conectá-las em um mesmo rol de acontecimentos. É o que ocorre, por exemplo, na também excelente cinebiografia de James Brown, Get On Up. Ou nas produções brasileiras que tratam de Cazuza, Tim Maia e Elis Regina. E é o que pode frustrar o fã mais purista do Queen: uma banda que não seguia fórmulas, com sua história apresentada de maneira formulaica.

Ainda assim, isto não diminui o filme. Sim, algumas situações estão fora de ordem. Sim, alguns momentos parecem forçados. Sim, poderiam ter explorado melhor o lado mais "selvagem" de Freddie. Nada disso importa. O roteiro é bem amarrado e simples. Há diversos momentos bem-humorados e divertidos. O elenco é competente. E quando os acordes de qualquer uma das músicas encontram o ouvido do espectador, é quase impossível não acompanhar (você vai se pegar batendo o pé no chão várias vezes durante o filme).

Enfim, Bohemian Rhapsody é uma prova da força e do legado do Queen. Todos queremos viver para sempre, mesmo sabendo que ninguém é para sempre. Tudo que podemos fazer é continuar com o show. No meio disto tudo, ainda há tempo para encontrar alguém para amar. E divagar se esta é a vida real ou apenas fantasia.