Eu nem pretendia escrever sobre o novo filme do Super-Homem, O Homem de Aço, mas resolvi deixar aqui alguns pensamentos após ver a citada obra cinematográfica.
Desde já, fica o aviso: o texto vai ter SPOILER. Já viu o filme ou não se importa? Então lá vamos nós...
Muito foi dito antes da estréia do filme. É uma nova adaptação do popular super-herói, na tentativa de modernizar conceitos e reapresentar o personagem e sua mitologia para novas gerações. Até aí, tudo muito bem, tudo muito bom.
Aí começa o filme. E de fato, somos reapresentados a Krypton, planeta natal do herói, completamente diferente do que já havia sido mostrado antes, ao menos em adaptações live-action. E é uma mudança muito bem-vinda, mostrar Krypton como um planeta com vida, ao invés de um mundo estéril e frio de outrora, no imaginário popular desde o filme de 1978.
Vemos que, mesmo com toda a vida, o planeta está morrendo, graças à má utilização dos seus recursos, em uma clara alusão ao nosso próprio planetinha Terra. É então que surge Jor-El, o brilhante cientista, que acredita ser possível salvar Krypton. Da mesma forma, com o objetivo de salvar o planeta, mas de formas completamente questionáveis, está Zod, o implacável líder militar. Um embate entre os dois é óbvio e contumaz. Vendo que não há muito a fazer, Jor-El decide enviar seu filho, Kal-El (o primeiro kryptoniano nascido de forma natural em muito tempo), à Terra.
O bebê é enviado a nosso planeta e encontrado pelo casal Jonathan e Martha Kent. Eles tomam o bebê como seu e o criam da melhor maneira possível, dando a ele o nome Clark. Não demora para que a criança comece a desenvolver poderes únicos, graças às diferentes condições de nosso planeta e de nosso Sol amarelo. O jovem Clark, após saber através de Jonathan que é um alienígena (e após a morte de seu pai adotivo), decide sair pelo mundo em busca de respostas. É então que percebe ser especial e estar neste mundo por uma razão. E assim, decide vestir o famoso manto azul e vermelho e se tornar um protetor da humanidade, usando seus poderes para o bem.
E esta é a premissa básica do Super-Homem. E ela é apresentada de forma satisfatória neste filme, com alguns elementos revistos de forma realmente criativa, renovando conceitos e os tornando interessantes novamente. Mas é aqui que os problemas começam também.
Não, não me empolguei com este filme. Saí do cinema com pouca ou nenhuma empolgação (algo complicado para alguém que se diz fã do personagem e o acompanha desde sempre). O filme se complica em seus exageros. É melhor que Superman - O Retorno? Certamente. Mas se o filme de 2006 pecava por não ter muitas cenas de ação e pela excessiva homenagem aos filmes estrelados por Christopher Reeve, aqui o exagero está nas tentativas de mostrar um "Super-Homem da nova geração" e na "humanização extrema" do personagem .
Não me entendam mal. O filme é bem produzido, um deleite visual e sonoro. Há um elenco de primeira, com ótimas atuações (mais precisamente naquelas apresentadas por Russell Crowe, Kevin Costner, Henry Cavill e Michael Shannon). Jor-El e Jonathan Kent são mostrados como as duas bases que moldam o caráter de Kal-El/Clark, até o momento em que este consegue conciliar suas duas heranças.
Foi muito interessante ver Jor-El não apenas como cientista, mas também como homem de ação. Crowe acertou em cheio ao criar um personagem completamente novo, em alguns momentos épico, e imponente. Da mesma forma, Kevin Costner rouba todas as cenas em que aparece, com um personagem forte e carismático. E capaz de tudo para manter seu filho em segredo e segurança. E a morte de Jonathan, que no filme de 1978 era um evento que mostrava, de forma sutil, toda a vulnerabilidade do ser humano e, da mesma forma, a impotência de um ser sobre-humano diante da morte, aqui é mostrada como um acontecimento trágico, que poderia ter sido facilmente evitado por Clark (poderia salvar seu pai sem ser visto, afinal, ele tem super velocidade para quê?). Apenas uma tentativa mal-fadada e desnecessária de criar um conflito interior no herói, ao estilo do Homem-Aranha.
Michael Shannon não foi surpresa alguma. Com capacidade singular para interpretar personagens complexos, chega a ser covardia o que ele faz com Zod, mostrando um personagem implacável, frio e obcecado. Se em muitos momentos ele parece comedido em sua atuação, é no final do filme que ele ganha pontos, quando revela sua natureza e seus questionamentos, quase fazendo o espectador sentir pena do vilão.
Já Henry Cavill surpreende ao se apresentar como o Homem de Aço. Claramente procurando se afastar da eterna interpretação de Christopher Reeve, Cavill consegue mostrar uma nova versão do personagem, embora não faça diferenciação entre as "três facetas": Kal-El, Clark e o Super-Homem são todos o mesmo. Não há as sutis nuances entre Kal e o Super-Homem, que Reeve conseguiu imprimir, muito menos o humor oriundo da persona Clark Kent, que Reeve encarnou como ninguém. Obviamente, comparar Cavill com Reeve é injusto. A interpretação clássica, no já distante 1978, é incomparável. Só isso. E Cavill certamente ganha pontos com o público feminino. O ponto negativo na atuação de Cavill é a constante predileção por gritar. Para qualquer esforço que faça, o personagem emite grunhidos e gritos ao melhor (ou pior) estilo Wolverine. Desnecessário e desproporcional em muitos momentos.
Os demais integrantes do elenco fazem o que podem. Amy Adams mostra todo o lado curioso e investigativo de Lois Lane. E se a atuação e o roteiro não decidem entre a "donzela em perigo" e a "mulher de ação", pelo menos ela não é tão sem graça quanto Kate Bosworth no filme de 2006. Diane Lane e Laurence Fishburne acabam atuando em "piloto automático", com alguns poucos momentos realmente interessantes.
Mas e aqueles problemas que mencionei? Até agora só elogiei tudo... Pois é, vamos lá...
Podemos começar pela trilha sonora. Embora seja feito um esforço tremendo para que
soe vigorosa, acaba sendo repetitiva e, ainda assim, pouco memorável.
Algo que se tornou corriqueiro na maioria dos filmes de super-heróis:
trilhas sonoras pouco marcantes, infelizmente.
Os efeitos visuais são constantes. E vemos o Super-Homem em combates como "nunca antes se viu na história deste super-herói". Entretanto, a ação ininterrupta sofre com cortes rápidos ou efeitos por vezes confusos, no pior estilo dos Transformers de Michael Bay, não dando ao espectador a possibilidade de entender o que está acontecendo, algumas vezes. E algo que sempre me incomoda nas novas encarnações do personagem: precisa efeitinho de pedrinhas e outras coisas levitando, quando o herói vai voar? Precisa fazer esforço pra voar? A graça está em simplesmente ver o personagem alçar vôo, como se fosse a situação mais natural do mundo. E nem vamos entrar na conversa sobre o efeito quando o herói quebra a barreira do som diversas vezes, algo impossível fisicamente, mesmo para um super-herói...
O filme, assim como O Espetacular Homem-Aranha, acaba ficando no "meio-termo". É bom, sem ser sensacional. E é ruim, sem ser uma desgraça completa. Talvez pelas inúmeras manifestações dos fãs, que queriam ver um filme no qual o herói estivesse em mais cenas de ação e combate, neste filme decidiram fazer justamente isso. E em vista do que foi mostrado no filme dos Vingadores, tentaram imprimir o mesmo ritmo. Mas é aí que a coisa complicou. As cenas de ação, ainda que não apresentem a xarope câmera lenta tão amada pelo diretor Zack Snyder, se mostram exageradas ao extremo.
É estranho, mas simplesmente não funcionou. Se no filme dos Vingadores, a destruição de alguns quarteirões da cidade servia para mostrar do que os invasores eram capazes e da extensão dos poderes dos heróis, aqui tudo é exagerado. Em dois combates, Super-Homem e seus inimigos simplesmente destroem metade de Smallville e metade de Metropolis, da maneira mais inconseqüente possível.
Para um herói como o Super-Homem, isto seria, em qualquer hipótese, inconcebível. Por quê? Porque mesmo sem saber de sua herança kryptoniana, já tinha aprendido sobre o valor de toda a vida com seus pais adotivos. Logo, causa espanto que, mesmo que ele ainda seja um "aprendiz de herói", em nenhum momento no filme tente levar a luta para longe das aglomerações urbanas (exceto por uma breve luta com Zod no espaço, que acaba na destruição de um satélite das Empresas Wayne).
E a grande controvérsia: no final do filme, em uma tentativa desesperada de salvar uma família inocente, o herói resolve tirar a vida de Zod. Digam o que quiserem, que o herói já matou algumas vezes nos gibis (incluindo uma versão alternativa do próprio Zod). A regra é clara e simples: o Super-Homem não mata. É o que o diferencia de todos os outros personagens. Ele não é o Wolverine, muito menos o Justiceiro. Por mais "humano" que o Super-Homem seja (ou queiramos que ele seja), com nossas qualidades e defeitos, ele não é um de nós. Ele é melhor, gostemos ou não. Portanto, rebaixá-lo, mesmo com a boa intenção de salvar vidas, foi uma idéia executada de forma desastrada. E certamente o Super-Homem poderia encontrar outras formas de impedir que Zod machucasse aquelas pessoas.
Ainda, o filme se perde em seus próprios conceitos, tornando-se quase irônico. Jor-El, durante toda a projeção, fala a Clark sobre "escolha". Mas praticamente força seu filho a vestir o uniforme e enfrentar Zod. Exatamente o contrário de Jonathan Kent, que acredita que Clark foi enviado à Terra por uma razão. E sendo assim, acaba fazendo todas as escolhas por seu filho. Ou seja, justamente o personagem principal não tem escolha alguma a fazer. E quando tem, na comentada morte de Zod, faz a escolha errada (e a mais fácil). Novamente, ele poderia muito bem ter voado com Zod para outro lugar ou tentar bloquear a visão de calor do vilão com as mãos ou jogar Zod na Lua ou tantas outras escolhas que não aquela.
Podemos até discutir que o Super-Homem neste filme ainda está surgindo, ainda está aprendendo. Seria um "Superman Begins" mesmo. Ainda assim, parece um argumento fraco, pois até mesmo quando o personagem se estabelece como o herói, no final do filme, deixa a desejar. Se o 'S' em seu peito é um símbolo de esperança, não soube apresentá-la muito bem aos humanos. Primeiro, com as já mencionadas destruições das cidades e da morte do inimigo. Depois, quando fala aos militares que está na Terra para ajudar, mas que as coisas serão do seu jeito. O que aconteceu com "somos todos parte do mesmo time", como dizia o herói ao final do filme de 1978?
Não adiantou muito a batuta de Christopher Nolan no filme do Homem do Amanhã. A caracterização "realista", tão saudada nos trabalhos do diretor com os filmes do Batman, funciona em muitos momentos, mas é exagerada em outros, como nas tentativas de humanizar demais o personagem, para aproximar o herói do público, quando o que justamente nos aproxima dele é a distância, por mais paradoxal e contraditório que isto possa parecer.
Ou seja, o que nos aproxima do Homem de Aço é saber que nunca poderemos voar, nem ter super-força ou visão de calor. Mas sempre poderemos melhorar e fazer o bem. E para isto, ele serve como a "luz que ilumina o caminho".
E antes de encerrar. Vi o filme no formato IMAX 3D. E diferente do que aconteceu com Além da Escuridão - Star Trek, aqui o 3D é mais do que fajuto. É inexistente. Mesmo com a tela gigantesca, a experiência de imersão é quase nula. Quem puder, assista em 2D mesmo e economize dinheiro.
Enfim, estas eram algumas questões a apontar de O Homem de Aço. Um filme que não vingou (nenhum trocadilho intencional). E mesmo com toda a super-produção, falhou em alguns pontos que sequer precisam de efeitos especiais.
P.S.: Para quem afirmou que sequer faria uma resenha sobre este filme, este texto acabou ficando longo. Obrigado por ler até aqui. Agradeço a preferência. Volte sempre.