sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O fascínio da vilania

Todo vilão é fascinante, seja Hannibal Lecter, Coringa, Darth Vader, Walter White ou a Bibi Perigosa. O problema começa quando as pessoas passam a aceitar as decisões e atitudes destes indivíduos como normais (ou até mesmo exemplares), muitas vezes justificando que, no final, "o coitado se arrependeu" ou "lutava por uma causa" ou algum outro argumento frágil.

 

O fascínio, tanto para o intérprete quanto para o espectador, está justamente em toda a liberdade de pensamentos e ações que um personagem vilanesco oferece. Algo que todos sabemos não poder fazer por ser ilegal ou, simplesmente, errado (mas que, lá no fundo, bem no fundinho, muitos adorariam fazer).

Esta atração muitas vezes acaba se tornando admiração nas mentes mais incautas, que demonstram percepção rasa e, assim, se tornam as "próximas vítimas" dos vilões, ao adotarem posicionamentos tolerantes em relação a situações completamente injustificáveis.

Ou seja, não importa que Anakin Skywalker tenha traído a confiança de todos os Jedi e das pessoas mais próximas em sua vida, não importa que ele tenha aniquilado todos os Jedi (incluindo crianças) e quem mais se colocasse em seu caminho. Não importa que ele tenha torturado inúmeras pessoas (incluindo sua filha, mesmo que ele ainda não soubesse) ou ferisse tantas outras (incluindo seu filho, do qual ele já tinha conhecimento). O que importa é que ele se arrependeu e matou o Imperador (e que ele tinha uma armadura bacana. E um sabre-de-luz supimpa). Tudo resolvido.

 
Não importa se Walter White e Bibi Perigosa se corromperam, roubaram, mataram ou cometeram outros tantos crimes. O que importa é que são os personagens principais de suas produções e devemos aceitar que o que estão fazendo é justificável. Afinal, fizeram tudo por suas famílias. E Bryan Cranston e Juliana Paes são pessoas simpáticas, nada mais justo que simpatizar com seus personagens e enaltecer tudo que fizeram (mesmo que errado).

O mesmo vale para personagens históricos retratados em grandes produções. Por mais que seja legítimo o interesse em humanizar estas figuras, para estudá-las sob diferentes ângulos, na maioria das vezes as ações destes personagens são toleradas e o impacto das mesmas é reduzido, sendo mostrados meramente como pessoas que cometeram todo tipo de atrocidades em prol de objetivos supostamente válidos (apenas em suas mentes, que fique claro). A humanização muitas vezes desfaz a imagem de facínora e impede a percepção do real terror que proporcionaram. Ainda mais quando interpretados com competência, pois, além da fascinação com o personagem, entra em cena a admiração pelo ator. E isto pode confundir.

 
O fascínio da vilania nos impede de olhar com objetividade para os fatos. E quando exercitamos nossa percepção de forma incorreta, justificando o injustificável, torna-se muito mais fácil começar a aplicar estes valores invertidos na vida real. E, assim, não surpreende quando vemos as pessoas aceitando e justificando atos criminosos, seja de quem for (aquele seu político de estimação, por exemplo), fazendo valer que "os fins justificam os meios", quando na verdade, se está fascinado com aquela determinada personalidade e a liberdade que esta tem de "burlar o sistema".

Enfim, divirta-se com seu criminoso/vilão favorito, mas lembre-se de separar a ficção da realidade. Darth Vader atacando soldados rebeldes é empolgante, Heisenberg tomando o controle das situações é interessante, Bibi Perigosa "sambando na cara da sociedade" é atraente. "Why so serious?" e "¿Plata o Plomo?" já são frases icônicas. Mas a vida real é bem diferente. E o fascínio que personagens vilanescos exercem sobre todos nós jamais deve se tornar influência.