quarta-feira, 17 de junho de 2015

Cidadão de bem

Sou "cidadão de bem", sim, senhor!
Mesmo que esta expressão atualmente pareça ter um teor pejorativo.


Desde que me conheço por gente, ser uma pessoa "de bem" significa estudar, trabalhar, viver honestamente, dentro das leis de nossa sociedade. Então vejamos: estudei minha vida inteira. Trabalho, pago impostos, sigo as leis (mesmo quando discordo delas). Respeito o próximo, busco a convivência harmônica.

Nunca traí a confiança de alguém. Nunca roubei, nunca matei.

Cumpro com minhas obrigações, com meus deveres cívicos.
E espero ter meus direitos respeitados.
Sou um "cidadão de bem", sim, senhor!

Entretanto, os amantes do oba-oba usam a expressão "cidadão de bem" para qualificar pessoas reacionárias ou autoritárias. Completamente descabido. Para estas pessoas, geralmente, as palavras ORDEM, DISCIPLINA e RESPEITO não fazem sentido. Ou são confundidas com "ditadura", "conservadorismo" e similares.

Ser "de bem" ou "do bem" é exatamente isto: fazer o bem. Simples assim.
Se você comete infrações, delitos, crimes, você não é "de bem", principalmente se comete estes atos voluntariamente. E se você apóia ações deste tipo, também não é "de bem" (e, no mínimo, age de má fé).

Vale também para questões mais pessoais. Você fuma aquele baseadinho ou dá um teco na farinha? Desculpe, você não tem moral para falar sobre "de bem". Você financia um mercado que envolve crimes e violência. É apenas mais um bobalhão querendo bancar o malandro, o bacana.
"Ah, mas é só um fuminho, o álcool é muito pior e ninguém se importa". Não interessa. É contra a lei. Se não concorda, trabalhe para mudar a lei. Até lá, você pode muito bem não fumar a porcaria do baseado. Ou não queira colocar o seu interesse ilegal e/ou ilegítimo acima dos interesses da maioria (fumar maconha no meio da rua ainda é crime). E não reclame de problemas de segurança, violência, tráfico de drogas, etc.

Você sai por aí tocando som alto, em horário impróprio? Vai dar aquele "rolê", aquela "banda", toma todas, depois sai à rua e faz suas necessidades fisiológicas em qualquer canto? Você é apenas um imbecil mal-educado, sem qualquer respeito aos "bons costumes" (e urinar ou defecar em uma esquina não é bom costume). Se alguém reclamar disto? É uma "pessoa de bem", um "amante da ditadura", que só quer estragar a diversão dos outros.

É muito fácil rotular pejorativamente alguém que pede por mais respeito, mais ordem, mais lisura, mais correção. Em um país que cria gente egoísta, onde se ensina que ser malandro é mais importante do que ser correto (e quem faz tudo certo é trouxa), não surpreende termos comportamentos e opiniões ultra-libertários, modernosos, pró-drogas e tudo mais. O que vale é o meu barato, o resto que se exploda.

Talvez seja o fato de o Brasil ser um país traumatizado com uma famigerada ditadura militar. Quando finalmente nos vimos livres deste jugo, criou-se a máxima de que "é proibido proibir". Mas este trauma foi há mais de 30 anos. Já tivemos tempo suficiente para andar com nossas próprias pernas, cometer nossos erros de infância e adolescência. Agora é hora de nos tornarmos adultos. E algumas coisas podem ser proibidas e censuradas, sim, pelo bem comum. Mas olha só, "ditadura", "censura" e "bem" no mesmo parágrafo. Devo ser mesmo um "cidadão de bem" e "amante da ditadura".

Então, quando vemos uma sociedade em crise, com deplorável inversão de valores, onde ninguém se respeita, onde temos nossa liberdade e direitos constantemente cerceados, onde ser bandido é quase mais interessante do que ser estudante ou trabalhador, é difícil aturar os rotuladores, que fazem pouco caso do "cidadão de bem", quando este reclama de tudo isto.

Como sempre, a solução passa por aquela velha conhecida (ou talvez nem tanto, para alguns): educação.
E educação começa em casa.
Se você zela pela sua casa, ofereça o mesmo (ou até mais) respeito na casa dos outros.
Educação vem de berço.
Meus pais me ensinaram e é simples: "se não é seu, não mexa".
Talvez seja por isso que não tenho vocação para ser político neste país. Como trabalhar em uma "profissão" onde se mexe o tempo todo (indevidamente) no que é dos outros?

Enfim, da próxima vez em que você for rotular alguém como "cidadão de bem", pense antes no sentido que empregará para esta expressão. Você poderá ofender, mesmo que inconscientemente, os milhões de estudantes, trabalhadores, pagadores de impostos e outros "trouxas", que clamam por uma sociedade mais justa, correta e ordeira. Afinal, como já afirmei diversas vezes, a maior verdade está escrita em nossa bandeira. Sem ordem, nunca teremos real progresso.

Portanto, sou "cidadão de bem", sim, senhor!