sexta-feira, 23 de junho de 2017

O maior de todos

Muito já foi dito sobre a brilhante performance de Heath Ledger como o Coringa em Batman - O Cavaleiro das Trevas. Mas em todos os textos que li, sempre deixaram de lado um ponto importante sobre o personagem, explorado com inteligência pelo roteiro do filme. 



Além de vilanesco, perverso e um completo mau-caráter, há outro fator importante a considerar: o Coringa é o maior mentiroso de todos!

Pode parecer apenas um detalhe, mas é algo que sempre esteve presente nas HQs, de forma sutil ou óbvia, como analiso a seguir. Para tanto, usarei como exemplo o clássico gibi Batman nº 1, da Editora Abril, de 1984 (esteja certo que comprei à época e mantenho até hoje a edição).


A história em questão, "A Vingança do Coringa" (The Joker's Five-Way Revenge), foi originalmente publicada em 1973, nos Estados Unidos, na revista Batman nº 251 da DC Comics.

 
Na trama, o Homem-Morcego precisa correr contra o tempo para recapturar o vilão, que está à solta e agindo contra antigos comparsas. Depois de diversos percalços, Batman finalmente encontra o Coringa, que mantém refém o último sobrevivente de seu plano de vingança. Diante do herói, uma proposta se apresenta.

 

Assim que o herói aceita as condições para que o refém seja libertado, o Coringa entra em ação. Batman protesta.


E então vem a frase-chave.


Mas, se ele diz ser o maior mentiroso de todos, talvez esta frase também seja mentira e, assim, nem tudo o que ele diz seria inverdade. E agora? A partir de uma simples frase, o leitor se vê divagando sobre a essência do vilão. Ponto para Denny O'Neil. E outra divagação interessante: o Coringa sempre teve noção de seu estado mental? Ou é puro sarcasmo? Ambos? Isto só aumenta sua perversidade.


Agora vejamos duas situações do filme dirigido por Christopher Nolan em 2008. Na primeira, após tantas idas e vindas, o Coringa encontra Harvey Dent no hospital de Gotham. E uma das primeiras respostas dele a Dent é:

 
Pega na mentira! Durante toda a projeção, testemunhamos o quanto o Coringa planeja. Para toda ação, ele tem não apenas um plano principal, mas um plano B e um plano C, mostrando o quanto ele antecipa cada ocorrência. E mesmo quando os planos acabam, ele é um mestre da improvisação.

A outra cena, ao final do filme, na qual os cidadãos de Gotham agem contra a expectativa do vilão. A reação dele?

 
Ou seja, o plano do palhaço previa o revés. Se não ocorresse como queria, ele tinha um plano B. E talvez um plano C. De uma forma ou de outra, ele tinha diversas formas de alcançar seu objetivo final: instaurar o caos em Gotham. E vale lembrar que, quando a trama se encerra, o Coringa vence. A polícia está desacreditada, Harvey Dent se corrompeu e o Batman é visto como criminoso.

E ainda podemos mencionar os momentos em que o vilão dá explicações sobre suas cicatrizes. Uma versão diferente para cada pessoa.

        "Quer saber como consegui estas cicatrizes"?
São situações que mostram que, além de grande planejador, praticamente paranóico, o Coringa mantém sua aura de mentiroso. Apenas mais uma nuance adaptada com perspicácia pelo roteiro que, ao lado de uma interpretação excelente, deu vida a uma inesquecível versão do personagem.