domingo, 13 de julho de 2014

O país da Dona Lúcia

E acabou a Copa do Mundo. A Copa das Copas. A Copa das Copas de todas as Copas. E com ela acabou a palhaçada (ou começou uma nova) em torno da seleção brasileira de futebol.


Já publiquei textos similares, em relação à participação brasileira em Olimpíadas e em Copa do Mundo. É engraçado (e ao mesmo tempo triste e ridículo) constatar que o teor e o conteúdo daqueles textos se mantêm tantos anos depois. Ou seja, nada mudou.

Os pontos mais contumazes daqueles textos eram: o brasileiro não sabe ganhar, o brasileiro não sabe perder. E só resta chorar. Não adianta, este é o nosso modus operandi. Ficou mais do que comprovado com o histórico fiasco da seleção brasileira na semifinal da Copa.

Perdemos porque o adversário era infinitamente melhor. Perdemos porque éramos menos do que pensávamos. Perdemos porque, felizmente, esta Copa não estava comprada. Perdemos porque dependíamos de um craque imaturo. Um jovem capaz, mas com sua atenção voltada para topetes, cuecas e redes sociais. Perdemos porque, ao invés de um time de futebol, tínhamos um grupo de celebridades preocupadas com fotos, vídeos, marketing pessoal. E choro. O choro, que deveria ser uma franca demonstração de emoção, nada mais era que descontrole. Nunca se chorou tanto. Pois a seleção alemã então deu motivos para choro.

 
 
Se voltarmos no tempo e lembrarmos as duas últimas conquistas brasileiras na Copa do Mundo, há um padrão claro. Em 1994 e 2002, o Brasil não era favorito, teve inclusive dificuldades para se classificar nas eliminatórias. E entrou em campo no Mundial, mais do que para ganhar, para não perder. Assim, seus times se mostravam fechados, defensivos, respeitosos ao futebol do adversário, fosse ele uma Rússia ou uma Itália, uma Turquia ou uma Alemanha. Então, o Brasil jogou sério, com foco e dedicação, sem soberba, sem arrogância, sem petulância. E ganhou.

Agora comparem com as Copas seguintes às duas conquistas, em 1998 e 2006. O Brasil entrou como franco favorito, a concentração brasileira era um verdadeiro circo, em que o samba, as negociatas e a politicagem reinavam acima do futebol. E mesmo vendo outras equipes mais fortes na competição, era impossível admitir que nosso time não fosse o melhor, mesmo que ficasse claro que o futebol não era o foco. O resultado? Participação mediana e controversa em 1998. Participação ridícula e vexatória em 2006. Derrotas. Mas a soberba de "somos os melhores" se mantinha.

O mesmo aconteceu nesta Copa de 2014, após a derrota retumbante para a Alemanha. Ou como explicar as declarações de que tudo foi feito dentro do planejado, nada estava errado? Como aturar a ridícula carta (provavelmente forjada) da Dona Lúcia, lida por um agora sem noção Carlos Alberto Parreira, respeitado (até então) mundialmente como um "estudioso do futebol"? A vitória alemã é tão definitiva e acaba com a máxima de que "o Brasil é o país do futebol", pois aconteceu em cima dos técnicos responsáveis pelas duas últimas conquistas brasileiras: Felipão e Parreira.

Esta soberba é sintomática. Basta lembrar do último "ídolo" nacional: o lutador Anderson Silva. Tornou-se campeão do UFC e a partir daí, foi um show de petulância: era "clone" pra lá, "ninguém me vence" pra cá. E mesmo que isso faça parte do jogo mental em uma luta, nada justifica o comportamento patético que ele teve durante o confronto com Chris Weidman, que resultou na surra ridícula e no nocaute merecido que Silva teve.


Ou seja, nada mudou. O brasileiro não sabe ganhar, nem sabe perder. E na maioria dos casos, se volta ao choro, buscando a demagogia do coitadismo, ao invés de simplesmente assumir que não fez tudo que pôde, que não foi humilde e/ou que o adversário foi melhor. Vale lembrar uma vez mais: humildade nada tem a ver com condição social ou um passado sofrido. Você pode ser a pessoa mais pobre e sofrida deste mundo. Se não aprende com seus erros, se não respeita o próximo, não é humilde. Simples assim.

E de quebra, ainda temos nossa mídia imbecil e engraçadinha, que contribui para o circo. Está mais do que na hora de mudanças contumazes, não só no esporte em si, mas em tudo que o cerca. E isto envolve acabar com a cultura da bobagem, com os Galvões Buenos, Netos, Tinos Marcos, Miltons Neves, Alex Escobares da vida. Não há mais espaço para gente que não leva o esporte a sério, seja ele qual for. Profissionais da imprensa que querem aparecer mais do que os esportistas. Jornalistas que querem aparecer mais do que a notícia.

E partindo para o radicalismo agora. Futebol profissional tem que ser tratado como tal. Chega de apelidinhos para jogadores, mesmo que muitos deles tenham se tornado lendas do esporte. Pensem comigo: Pelé, Zico, Didi, Dadá, Vavá, Kaká, Dodô. Dunga, Ganso, Pato, Alemão, Branco, Careca. E a cultura do "inho"; Zizinho, Ronaldinho, Fernandinho, Jorginho, Marcelinho, Juninho, Paulinho. Ou o apelido regional: Marcelinho Carioca, Renato Gaúcho, Juninho Pernambucano. Um futebolista é um profissional com nome e sobrenome. Pode parecer bobagem, mas é muito mais fácil levar a sério um Jorge Campos do que um Hulk. Há muito mais peso e respeito em uma pessoa que se apresenta como Roberto Baggio do que alguém chamado Bebeto (mesmo que o segundo seja campeão mundial e o primeiro não).

Imaginem se os americanos (e o mundo) chamassem Michael Jordan de Jordinho ou de Jojô. Ou Muhammad Ali de Mumu ou Lili. É outro sintoma de que o Brasil é um país que não se leva a sério. Xuxa, Guga, Rubinho, Ronaldinho Gaúcho. Qual o problema com Fernando Scherer, Gustavo Kuerten, Rubens Barrichello e Ronaldo Moreira? O mundo inteiro os conhece assim (ao menos os três primeiros), mas nós insistimos em exportar nossa infantilidade, disfarçada de informalidade.

Ao menos, em termos de organização, a Copa do Mundo foi um evento muito bem-sucedido. Algumas pequenas gafes, mas nada que atrapalhasse a realização dos jogos. De parabéns está o público, em sua maioria ordeiro. Que estes exemplos se repitam aqui no Brasil, nos estádios e na vida, a partir de agora.

E claro, todos os méritos para a seleção alemã, campeã do mundo, ao jogar um futebol moderno, tático e, acima de tudo, coletivo. Afinal, no atual panorama, os onze jogadores em campo devem aparecer na mesma proporção. Algo que as duas "potências" da América LatRina parecem nunca aprender, ficando sempre na dependência de um talento individual para resolver a situação. E assim, quando seus "gênios da bola" foram anulados ou não apareceram para jogar, suas respectivas equipes pouco conseguiram fazer. E outra: o futebol moderno, mais do que nunca, é feito de jogadores de futebol, não de malabaristas da bola.

Enfim, a derrota tragicômica da seleção brasileira foi o melhor que poderia acontecer a este país. Perder em casa, de forma ridícula, como aconteceu, para mostrar que o circo não pode ter mais importância que o pão. Que a soberba e a arrogância não têm lugar, que cordialidade e respeito são requisitos básicos, no esporte e na vida. Com a derrota da seleção, se segue a derrota de uma mídia ufanista e engraçadinha, a derrota de políticos que usaram (ou usariam) esta Copa como material de campanha. E, quem sabe, o momento (tardio, mas bem-vindo) em que finalmente o povo brasileiro vai acordar e perceber que futebol (e qualquer outro esporte) é apenas passatempo. Que a Dona Lúcia e todos nós temos mais com que nos preocuparmos do que com atletas, técnicos, jornalistas, empresários e políticos que não nos representam.