quarta-feira, 27 de março de 2019

Memórias do Morcego

O ano de 2019 marca a octogésima década de existência do Batman, um dos personagens mais populares da cultura pop de todos os tempos. Também marca os 30 anos do lançamento de um dos melhores filmes do Cavaleiro das Trevas.


E há forma melhor de comemorar do que rever o Morcego nos cinemas?


Durante toda minha infância, minhas interações com o Batman "de carne e osso" se davam através de reapresentações dos episódios do clássico seriado dos anos 1960. Até então, aquele era o Batman definitivo. Com um estilo que buscava emular as cores e situações pitorescas dos gibis, era uma competente adaptação (e posterior influência) do que acontecia nas HQs.


Influência, por exemplo, para o desenho do Cruzado Embuçado de 1968 (exibido no Brasil pelo SBT) e para a animação dos Super-Amigos (apresentada na Globo). Obviamente, muito acompanhei estas aventuras.


Já as HQs publicadas no Brasil nos anos 1980 (que muitas vezes traziam publicações ou republicações de tramas dos anos 1970) tinham um teor menos cartunesco, justamente para tentar se afastar do seriado e tornar o Batman um personagem "sério" novamente. Fui um ávido leitor desta fase.


Acompanhando esta proposta de "seriedade", vieram duas obras fundamentais na bibliografia do Homem-Morcego: A Piada Mortal e O Cavaleiro das Trevas. Alan Moore e Frank Miller redefiniram Batman e Coringa de formas cabais.


Foi então que Hollywood fez a alegria dos fãs. Para coincidir com os 50 anos do personagem, um filme de longa-metragem seria produzido, com um orçamento digno e grande elenco (algo que não acontecia para filmes de super-heróis desde Superman - O Filme, de 1978). Na direção estaria Tim Burton, à época uma revelação. E ele usaria justamente as duas HQs citadas acima como bases para o roteiro. Jack Nicholson foi escalado para interpretar o Coringa. Como coadjuvantes, Kim Basinger, Jack Palance, Michael Gough, Robert Wuhl, Billy Dee Williams. Um time renomado.


Para viver o herói, Burton escolheu Michael Keaton, até então conhecido por atuar em comédias e com um porte físico diferente do esperado para um super-herói. Os fãs chiaram (e teriam "xingado muito no tuíter" se existissem redes sociais naquela época). No fim das contas, Burton estava certo e Keaton apresentou uma das melhores interpretações do personagem em forma live-action. Tínhamos, de fato, um personagem mais sombrio, sisudo. Mesmo em meio a todas as adversidades em relação à bat-roupa (que só ficou totalmente pronta pouco tempo antes do início das filmagens), Keaton conseguiu transmitir, através da movimentação, dos diálogos, de olhares (e do "bat-biquinho" com a boca) como seria a vida de alguém traumatizado desde a infância, que decidiu dedicar sua vida no combate ao crime.


A produção foi lançada nos Estados Unidos em 23 de junho de 1989. No Brasil, ganhou as telas em 26 de outubro do mesmo ano.

 
A obra deu início à Segunda Bat-Mania da Era Moderna. Pode parecer exagero, mas não é. Quem viveu a época lembra: para qualquer lado que se olhasse, havia alguma menção ao Homem-Morcego. Algo assim só havia acontecido no período do clássico seriado dos anos 1960. A invasão na mídia foi avassaladora, com uma cobertura intensa. A febre foi muito, mas muito alta. E este tipo de atenção era raro naqueles tempos, principalmente para filmes de super-heróis (que também não ganhavam as telas de cinema com a mesma abundância de dias atuais).


De repente, jornais e canais de televisão apresentavam matérias e programas sobre o herói e o filme. E toda uma gama de produtos relacionados estava à disposição: HQs, revistas, álbum de figurinhas, discos com a trilha sonora, brinquedos, jogos de videogame, material escolar, carteiras. A lista pode seguir ad infinitum.

Apenas algumas de minhas bat-tranqueiras.
 

Como esperado, o filme foi apresentado em diversas salas de cinema.

O antológico Cinema Baltimore, com Batman e a competição acirrada.
Uma das lembranças mais queridas que tenho é justamente de assistir a esta produção no saudoso Cine Victória, acompanhado de meu pai. Ao término da sessão, enquanto voltávamos para casa, passamos a relembrar os momentos mais marcantes do filme. Eu, como gurizinho encantado com o que acabara de ver, só conseguia dizer o quanto o filme era bacana. Já meu pai passou a discorrer sobre como achava boba a forma como o Coringa derrubou a bat-wing. E não adiantava: quanto mais eu tentava argumentar que se tratava de uma bala explosiva, mais meu pai achava a situação forçada. E deste debate (que lembro sempre que vejo esta cena) saíram boas risadas, que me serão caras até o fim dos meus dias.


A vida seguiu e, obviamente, apreciei a obra em home video, das maneiras que me foram possíveis: aluguei o filme em VHS e gravei quando exibido na TV, comprei edições em DVD e Blu-ray (incluindo um belíssimo DigiBook). Sempre que necessário, a obra está à disposição, para ser apreciada do início ao fim (ou apenas seus melhores momentos).


O que me traz de volta à pauta: pois agora, quando se comemoram os 80 anos do Batman e os 30 anos do filme de Burton, tive a oportunidade de revê-lo nos cinemas.

Como já era esperado, o filme tem seus altos e baixos, que se acentuaram com a passagem dos anos. O Coringa continua insano, a atuação de Jack Nicholson venceu o teste do tempo, mesmo que com sobre-peso e sem oferecer qualquer perigo ao herói em um confronto físico. Alguns momentos caricatos parecem perder a graça. Entretanto, os bons momentos do filme parecem se tornar ainda melhores. O humor entre Bruce Wayne e Alfred continua. O visual de Gotham City novamente nos remete às HQs. A lição de verossimilhança oferecida por Richard Donner no filme do Super-Homem de 1978 se mantém. O batmóvel voltou a rugir pelas ruas com força total. As fantásticas composições de Danny Elfman e as empolgantes canções de Prince nos fazem lembrar os motivos pelos quais qualquer filme (principalmente de super-heróis) sempre terá mais impacto com uma trilha sonora memorável.


Não exagero quando afirmo que já vi este filme quase uma centena de vezes. Ou ao menos assim parece, já que tenho a obra praticamente memorizada, do início ao fim, de trás para a frente. E revê-la nas telonas foi a forma correta para comemorar suas três décadas e me levar por alguns momentos de volta àquela bela tarde, há 30 anos, em que meu pai e eu acompanhamos o Cavaleiro das Trevas e divagamos sobre a bala explosiva do Coringa.


Vida longa ao Morcego!