segunda-feira, 6 de maio de 2019

O inevitável fim de uma era

Eis minhas impressões sobre Vingadores: Ultimato, derradeiro filme da Saga do Infinito do Universo Cinematográfico Marvel (desde já, aviso: texto longo e com SPOILERS).



Não é preciso ser um especialista em HQs e super-heróis para perceber a importância deste filme, principalmente para este gênero que se estabeleceu definitivamente desde o início dos anos 2000. É o ponto culminante de um audacioso projeto da Marvel, que se estendeu por uma década, no que ficou conhecido como o Universo Cinematográfico Marvel. Quando Nick Fury disse a Tony Stark que ele havia se tornado "parte de um universo maior" (na cena pós-créditos do primeiro filme do Homem de Ferro, no já distante 2008), nem Stark nem nós tínhamos idéia do quão grande de fato ele era.


Pois este foi apresentado ao longo de 22 filmes para o cinema, além de produções para televisão e serviços de streaming, HQs, jogos e outros produtos relacionados. A trama compartilhada nos remete a um inevitável confronto com um dos seres mais poderosos das galáxias: o titã louco Thanos, em sua busca para obter todas as Jóias do Infinito e tornar real seu objetivo insano. E assim a Guerra Infinita teve vez, reunindo personagens de todos os filmes. O resultado foi devastador, com a vitória do vilão e diversas baixas entre os heróis.


O que nos traz ao "Ultimato". Incapazes de suportar a derrota, os sobreviventes buscam meios para subjugar Thanos e, quem sabe, reverter todas suas ações com as Jóias do Infinito. A maré começa a mudar quando Scott Lang (o Homem-Formiga, que ficou preso no Reino Quântico durante os eventos da Guerra Infinita) consegue retornar e oferece uma alternativa que envolve viagem no tempo (ou melhor, um "assalto temporal"). Como todo filme de viagem no tempo, nem precisaria comentar que o plano inicial dá errado, os heróis precisam improvisar, enquanto Thanos toma conhecimento de suas ações e parte para o combate. A grande batalha final pelo destino do universo está preparada.


Este é o "resumo resumido" deste espetáculo visual e sonoro, repleto de referências a todas as produções anteriores, que encerra de forma magistral a jornada iniciada há uma década. Apesar das três horas de duração, nunca é enfadonho, embora certos momentos do início do filme e do assalto temporal pudessem ser encurtados. Enquanto "Guerra Infinita" é repleto de ação e de uma sensação de urgência, "Ultimato" tem um ritmo mais cadenciado. O foco está nos heróis e suas angústias após a vitória de Thanos.

Justamente por isso, e pelo Thanos mostrado no decorrer do filme ser do passado, sem as Jóias do Infinito, este se tornou mais simplório como vilão. Apenas o "brutamontes da vez", embora não menos ameaçador. Mas sem as nuances do vilão experiente visto ao final do filme anterior e no início deste.

Com o tom de encerramento de uma era, a obra é mais sóbria, tem menos piadinhas, apresenta um humor mais sutil. Muito do alívio cômico fica por conta de Scott Lang e Thor (Paul Rudd é sempre ótimo e Chris Hemsworth mostra uma vez mais seu inspirado timing de comédia). Os heróis são apresentados fragilizados, em alguns momentos temerários. E a maioria com desejo de vingança, contra Thanos e contra todos, especialmente no caso do Gavião Arqueiro, em outra competente atuação de Jeremy Renner. Nem precisaria atestar o óbvio, mas lá vai: mesmo com poucos momentos para brilhar, todos os intérpretes entregam atuações excelentes, a mostrar uma vez mais que o departamento de seleção de elenco da Marvel deve sempre ser reconhecido por suas acertadas escolhas (com algumas raras decisões questionáveis).


Tecer comentários sobre as qualidades técnicas da produção é chover no molhado. Das atuações aos cenários, locações, efeitos visuais e sonoros, bem como a trilha sonora, tudo nos insere nos momentos-chave com competência e entrega um legítimo filme baseado em HQs, com a grandeza que os personagens merecem. E ouso afirmar que a música-tema dos Vingadores é a trilha de filmes de super-heróis mais memorável dos últimos tempos.

A batalha final é épica, como nas melhores sagas das melhores HQs. Quando todos os heróis se reúnem e o Capitão América finalmente brada "Avante, Vingadores" (ou "Vingadores, Avante", por questões de legendagem) é impossível não se arrepiar. Era algo que os fãs esperavam desde o primeiro filme. A feição atônita de Thanos diz tudo. É puro gibi.


O encerramento do arco do Capitão América é bonito. Após devolver todas as Jóias do Infinito aos seus locais de origem, Steve Rogers decide voltar no tempo uma última vez (provavelmente logo ao final da Segunda Guerra Mundial) para reencontrar Peggy Carter e viver uma vida comum e pacata a partir de então. Tudo muito bem, mas... e aquele romance iniciado em Capitão América: Guerra Civil? Sharon Carter mandou lembranças...


O sacrifício final de Tony Stark é comovente. A atuação de Robert Downey Jr. na cena de sua morte comprova o que todos sempre souberam: é um dos melhores (senão o melhor) de sua geração e da atualidade, um talento quase desperdiçado devido a problemas pessoais, mas felizmente recuperado. A morte do personagem, aliás, traz tristeza não somente para o filme, mas para o MCU como um todo. Foi mesmo a última participação de Downey? Seu contrato, de fato, fica sempre mais gordo e difícil a cada renegociação. Mas duvido que seja a última vez que veremos Tony Stark, com ou sem Downey. De qualquer forma, assim como Christopher Reeve e Hugh Jackman, desassociar RDJ do Homem de Ferro será tarefa inglória.


Alguns detalhes bacanas. A informação sobre terremotos submarinos detectados por Wakanda. Teriam eles relação com um certo Príncipe Submarino? Será que a Marvel conseguiu resolver todos os imbróglios judiciais que impedem Namor de ganhar as telas? Fica a torcida para que sim. Ainda, quando Steve volta no tempo e entra no escritório de Peggy, ele a ouve mencionar um certo "agente Braddock". Seria Brian Braddock, o Capitão Bretanha (ou Britânia, como queira)? O produtor Kevin Feige já expressou seu desejo de trazer o personagem para as telonas.


Os pontos negativos existem. E um deles é justamente o que deveria ser positivo: Capitã Marvel. A personagem  sofre do mesmo problema do Super-Homem. Quem pode ser páreo para uma criatura ultra-poderosa? Os roteiristas parecem não saber como encaixar a personagem e, assim, ela aparece deslocada, indisponível, ocupada em outros lugares. Sim, ela precisa ajudar em outros pontos do universo e aparece para "salvar o dia", mas no fim das contas, fica um ar de arrogância e desconexão com os demais à sua volta. Espero muito que ocorra uma transição, tal qual aconteceu com Thor, que era arrogante e tinha ares de superioridade em seu primeiro filme, mas foi aprendendo lições de humildade e ganhando a simpatia do público nas demais produções. Supostamente, Carol Danvers exercerá o papel que foi de Tony Stark e Steve Rogers até aqui (na liderança não só dos Vingadores, mas do MCU como um todo). Para isso, mais do que "empoderamento", se fazem necessários personagens genuinamente simpáticos e interessantes.


Algo que me desapontou foi o fato do Hulk não enfrentar Thanos novamente. Para um fã do Gigante Esmeralda, isto fez muita falta. Eu queria muito ver o Hulk atacar com toda sua raiva contra o titã. "Ah, mas ele tomou uma surra no primeiro filme". Sim, mas Hulk vs. Thanos com as Jóias do Infinito é uma coisa. Hulk vs. Thanos sem as Jóias do Infinito seria outra bem diferente. Infelizmente, tivemos apenas o "Professor Hulk", que pouco fez na batalha final, embora tenha sido presença constante durante toda a projeção. Mas que seria muito bacana ver o verdão voltar a ser selvagem e dar umas bordoadas em Thanos, ah, isto seria.


E agora alguns questionamentos e apontamentos pertinentes:

Na cena do elevador, o Capitão América mostra que conhece Brock Rumlow (o vilão Ossos Cruzados) ao cumprimentá-lo. Steve só entrou para a S.H.I.E.L.D. justamente após a batalha de Nova York. Ou seja: conhecia poucos integrantes da instituição pessoalmente. E a Hidra estava infiltrada na S.H.I.E.L.D. Assim, Rumlow nada desconfiou ao ser cumprimentado? Ou a saudação "Viva a Hidra" que o Capitão profere releva tudo?


Se Thor é o Deus do Trovão, como o Capitão América conseguiu criar raios com o martelo Mjolnir na luta contra Thanos? Em Thor: Ragnarok, Odin afirma que Mjolnir é apenas um instrumento para canalizar o poder, não sua fonte. Mas não é segredo o encantamento feito pelo próprio Odin, no primeiro filme de seu filho: quem for digno conseguirá levantar o martelo e terá os mesmo poderes de Thor. Vale a afirmação ou o encantamento? Ou ambos? De qualquer maneira, foi extremamente prazeroso ver o Sentinela da Liberdade partir para cima de Thanos com "Mew Mew" em mãos. Mais do que os raios, gostei de suas combinações de ataques de martelo e escudo. Apenas perfeito.


E de quem era o escudo que o Steve idoso entrega a Sam Wilson no final do filme? Afinal, o escudo "original" foi quebrado na luta com Thanos e, até onde lembro, Steve não o levou quando voltou no tempo para devolver as Jóias do Infinito (levou apenas o martelo Mjolnir). Os diretores já afirmaram que há possibilidades de histórias a serem contadas sobre quando Steve voltou no tempo para ficar com Peggy (e imagino que estas serão mostradas em HQs, animações e outras mídias). Veremos.

Corre nas interwebz uma teoria de que o Hulk, ao usar a manopla para trazer as pessoas de volta, devido à radiação gama, acaba acidentalmente criando mutantes, o que serviria para introduzir de alguma forma os X-Men no MCU. Será?

A Viúva Negra morreu mesmo? Ou era uma Skrull e a verdadeira Natasha reaparecerá? Aliás, por onde andam os Skrulls por todos estes anos, desde os acontecimentos mostrados no filme da Capitã Marvel? Ainda, por que diabos Viúva Negra e Gavião Arqueiro (ambos sem qualquer experiência no espaço) foram enviados justamente para Vormir, quando Nebula, Rocket, Thor e até mesmo Tony Stark (que teve vivências espaciais no primeiro filme e em "Guerra Infinita") poderiam/deveriam ter ido em seus lugares? E, uma vez mais, onde está Carol Danvers quando se precisa dela? Indisponível, ocupada em outro lugar, somente atende emergências "reais"? A desculpa de que "outros lugares no universo também precisam de heróis" não cola, já que ela poderia ter viajado no tempo e voltado um minuto depois da partida, como todos os demais.

Causou estranheza como alguns personagens conseguiram segurar as Jóias do Infinito (como o Hulk ao receber da Anciã a Jóia do Tempo e o Gavião Arqueiro em Vormir), quando nas produções anteriores ficou explícito que elas eram poderosas e perigosas demais e, por isso, eram sempre mantidas em algum tipo de  invólucro, pois o simples contato manual poderia destruir seu portador. Inclusive, é uma das razões pelas quais foi criada a Manopla usada por Thanos, para absorver o poder das seis Jóias.

Thor (um deus), Senhor das Estrelas (um semi-celestial, que inclusive já havia segurado uma Jóia do Infinito), Capitã Marvel (que tem o poder oriundo da Jóia do Espaço). Três seres de grande poder. Mas sobrou para o Homem de Ferro, um mero mortal, estalar os dedos contra Thanos. A explicação dada? Ele era o mais próximo do titã e ainda estava consciente. Sim, porque até mesmo a Capitã Marvel foi nocauteada (mas dá-se um desconto, afinal, era Thanos com pelo menos uma das Jóias do Infinito ativas). Às vezes, até um gênio, bilionário, playboy, filantropo pode ser vítima das circunstâncias, não é mesmo?

E já que mencionamos circunstâncias: o universo só foi salvo por uma sucessão de acontecimentos improváveis, de um rato pressionar o controle para reativar o túnel quântico no início do filme ao sacrifício do Homem de Ferro no final. Esta era a única possibilidade de vitória entre as 14 milhões vistas pelo Doutor Estranho. Em outras, o rato nunca liberou o Homem-Formiga e Tony não se sacrificou contra Thanos. E tantas outras combinações que levariam ao fracasso (14.000.604 combinações, para ser mais preciso).


As regras estabelecidas para a viagem no tempo servem muito mais para evitar que tudo que já aconteceu nos demais filmes seja dispensado facilmente, invalidando as obras anteriores. Acho acertada a decisão. Desta forma, viagem no tempo não se torna uma "muleta" para resoluções fáceis em vindouras tramas.

A produção tem um grande número de personagens e faz o melhor que pode para oferecer um momento bacana para todos. Mas meu lado de "fã insaciável" acha que foi uma oportunidade perdida para introduzir outros personagens cósmicos como o herói Nova ou o vilão Kang (especialmente este último, sempre envolto com questões temporais). E Adam Warlock (que é essencial na Saga do Infinito nos gibis e até foi referenciado em Guardiões da Galáxia Vol. 2). Ainda, poderíamos ter mais espécies alienígenas na batalha final, além dos Asgardianos, Korg, Miek e alguns poucos vistos junto da Vespa (novamente, por onde andam os Skrulls?). Ou incluir Demolidor, Jessica Jones, Justiceiro, Punho de Ferro e Luke Cage, além de personagens de Agents of S.H.I.E.L.D.. Ou até mesmo os Inumanos. Se Jarvis teve uma breve aparição, por que não os demais? O estalar de dedo de Thanos já havia sido desfeito.

Uma bela homenagem é oferecida aos atores e aos fãs, ao final do filme, quando os créditos surgem e vemos imagens dos personagens e as assinaturas de seus intérpretes. Algo parecido com o que foi visto em Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida. Bonito, simples e impactante.

A aparição de um Stan Lee rejuvenescido foi bacana (ainda mais por ser a última, de acordo com os realizadores). 'Nuff said.


Acho que a cena em que Thor se une aos Guardiões da Galáxia poderia ter sido utilizada como cena pós-créditos. Certamente seria mais instigante.

Homem-Aranha: Longe de Casa encerrará a Fase Três, provavelmente com mais decorrências de "Ultimato". Depois é esperar pela Fase Quatro que, até o momento, parece que será composta por filmes de Viúva Negra, Eternos, Mestre do Kung-Fu, além das continuações de Pantera Negra, Doutor Estranho e Guardiões da Galáxia. Se esta for mesmo a lista, será um árduo trabalho para a Marvel, sem dois de seus grandes personagens. Mas não impossível para quem conseguiu transformar personagens espaciais secundários dos gibis em grandes campeões de bilheteria.

De resto, fica a gratidão por uma década de ótimos filmes. Mesmo as mais fracas produções da Marvel sempre se mostraram bons entretenimentos. A fidelidade ao material-fonte, o planejamento inteligente e a realização competente mostraram como se faz para estabelecer um universo cinematográfico coeso.

Os fãs não poderiam estar mais felizes. Este eterno gurizinho juvenil que vos escreve, que cresceu vendo estes personagens em gibis e desenhos animados, somente sonhava com o dia em que os veria saltar das páginas para as telas, com toda a verossimilhança possível. Pois o sonho virou realidade e, após uma década de "sonho real", talvez eu também possa descansar agora.

Ou não...


Vingadores... AVANTE!