domingo, 3 de julho de 2016

Visionário?

Decidi comentar sobre aquele que muitos amam odiar.
Ele mesmo. Zack Snyder!



Atualmente um dos responsáveis pelo Universo Cinematográfico DC, Snyder recebe duras críticas, a cada filme que dirige. Na maioria dos casos, são críticas justas e merecidas. Mas este não é meu problema com Zack Snyder.

O que sempre me causou certa indignação é o fato de Snyder ser chamado de "visionário". Entendo que uma pessoa visionária é aquela que tem uma visão ou uma idéia original e a transforma em realidade. Mas talvez os estúdios de Hollywood confundam "visão" com "visual".

Snyder é um diretor competente, principalmente ao criar o visual de seus filmes. Mas o "visionário" pára por aqui. Um filme não é grandioso apenas pelo seu visual. Quando precisam se envolver no desenvolvimento da trama e de personagens, Snyder e sua equipe deixam a desejar, com decisões questionáveis, muitas vezes. E não podemos esquecer o recurso tão adorado pelo diretor: a câmera lenta, usada com certa propriedade em um ou dois de seus filmes, mas apenas como efeito sem sentido (e repetido à exaustão) em muitos outros.

A verdade é que vivermos em uma época de exageros como forma de marketing, Tudo é sensacional, tudo é espetacular, tudo é "visionário". O grande problema é que este "visionário" em muito deve seus melhores momentos ao material-fonte que utilizou. É justamente quando tenta ser original e/ou se afastar do material-fonte que Snyder comete seus pecados.

A maioria dos filmes que dirigiu é composta por refilmagens ou adaptações de livros e HQs. Há apenas uma obra completamente original dirigida por Snyder. Analisemos sua filmografia como diretor:

Madrugada dos Mortos (2004)


Competente refilmagem do clássico dirigido por George A. Romero em 1978. Snyder criou cenas instigantes, com boa construção de situações, movimentação de câmera dinâmica e uma crítica social pertinente (já presente no filme original). Muitos dizem que a "grande sacada" do filme são os zumbis que se movimentam rapidamente e/ou correm. Mas esta idéia não é original, já que Extermínio, lançado dois anos antes, foi de fato o filme pioneiro neste quesito.

300 (2006)


Novamente, Snyder mostra competência, ao transportar os quadros da HQ de Frank Miller para as telas de cinema. É literalmente um gibi que ganha vida. A câmera lenta, tão adorada por Snyder, ajuda a criar este efeito. Mas o mérito pela trama é de Snyder? Acho que não, já que a HQ é praticamente um filme pronto, apenas esperando ser filmado, como muitas das clássicas obras de Miller costumavam ser.

Watchmen: O Filme (2009)


Aqui começam a chover as críticas. Aqui o trem começa a sair dos trilhos. Também é aqui que as peças de marketing começam a chamar Snyder de "visionário".


E, novamente, ele tem em mãos uma trama pronta, coesa, completa, sem necessitar de muitas intervenções ou invencionices. Muitas cenas são reproduções fiéis da HQ. É justamente nos momentos em que Snyder tenta ser original que surgem as críticas mais ferrenhas, geralmente sobre a descaracterização de alguns momentos-chave, o final da trama alterado e a câmera lenta excessiva e desnecessária.

A Lenda dos Guardiões (2010)


Snyder se aventura com uma animação, baseada em uma bem-sucedida série de livros. A conversa se repete: inúmeros elogios para os visuais dos personagens e cenários, acompanhados de críticas à narrativa e ao não-aproveitamento de todo o potencial que os livros oferecem. 

Sucker Punch: Mundo Surreal (2011)


Este é o único filme de Snyder que não é uma refilmagem ou uma adaptação de um livro ou HQ. É sua primeira obra completamente original. Uma vez mais, o visual do filme é espetacular. E fica por aí. A premissa é instigante, mas a trama se mostra confusa (mesmo na versão estendida). Não podemos negar que é definitivamente um filme autoral, com todas as peculiaridades de Snyder, sejam boas ou ruins.

O Homem de Aço (2013)


Já comentei sobre este filme, suas qualidades e seus problemas (leia em Não é um 'S'). Em resumo, Snyder reapresentou o Super-Homem, com o já esperado requinte visual e com muitas cenas de ação e destruição. Mas a descaracterização do personagem, com o intuito desnecessário de humanizá-lo, tornou toda a experiência questionável. Novamente, Snyder trabalha com uma adaptação de um personagem e uma mitologia estabelecidos há 75 anos e, justamente quando tenta "reinventar a roda", falha terrivelmente.

Batman vs Superman: A Origem da Justiça (2016)


Assim como aconteceu com o filme do Super-Homem, esta produção apresenta belo visual. E um roteiro que tenta ser realista e sombrio, mas peca no exagero destas características, ficando, na verdade, pesado e enfadonho (tudo que um filme de super-heróis não deve ser). Novamente, Snyder e os roteiristas tentam fazer diferente e derrapam na curva. Temos uma das melhores interpretações do Batman na tela grande, mas na tentativa de caracterizá-lo mais envelhecido, cansado da vida e bruto, não hesitam em mostrá-lo usando armas de fogo e matando inconseqüentemente. Errar é humano, persistir no erro é burrice. Snyder mostra que não entende plenamente o conceito de super-herói. Batman e Super-Homem, ao longo dos dois filmes, são na verdade anti-heróis e/ou heróis reticentes, o que vai contra as características que os tornaram populares ao longo de quase um século.

E foi preciso uma versão estendida, que eleva a duração a três horas, para que o filme se tornasse mais consistente, com mais detalhes que finalmente dão sentido a alguns momentos, para que consigamos entender as motivações e questionamentos de alguns personagens. Mas, ainda assim, não conserta muitos dos problemas: toda a "questão Martha" ainda está lá, o combate contra Apocalypse continua complicado de acompanhar, em meio a um profusão de cortes rápidos, câmeras lentas, explosões, raios e outros efeitos visuais. Quando são necessárias três horas para desenvolver a sua trama e, ainda assim, ela se apresenta deficiente, você definitivamente precisa rever alguns conceitos.

Esse currículo traz preocupação. Embora não vá dirigir todos os vindouros filmes da DC, Snyder está envolvido como produtor em todos eles. Foi justamente para minimizar os possíveis danos que a Warner/DC criou a DC Films, sob comando de Geoff Johns e Jon Berg. Ou seja - assim como acontece com a Marvel, capitaneada por Kevin Feige - são estes dois senhores quem ditarão as regras do Universo DC no cinema. Snyder foi educadamente colocado para escanteio.


A conclusão? Se você quer um filme com belo visual, Zack Snyder é a pessoa certa para o trabalho. Mas arranje mais alguém para ajudar na hora de tomar decisões importantes quanto ao desenvolvimento da trama, dos personagens e do universo que eles habitam. Snyder é o único a ser creditado pelos resultados (bons ou ruins) de seus filmes? Não. Mas é o diretor, é o capitão, é o responsável pelo rumo que determinada projeção seguirá. Portanto, é natural que as críticas tenham foco especificamente nas decisões que ele toma.

No fim das contas, amados ou odiados, cineastas como Snyder e Michael Bay produzem obras que geram lucros. Para Hollywood, isto certamente conta muitos pontos. E verdade seja dita, enquanto escrevo estas palavras, Snyder e Bay produzem mais filmes. Enquanto debatemos sobre o que eles já fizeram, ambos estão trabalhando em projetos futuros. Aos olhos dos grandes estúdios, algo de certo eles estão fazendo, mesmo que desagradem fãs desta ou daquela obra.

A lição que fica de tudo isto? Sejamos mais criativos e menos negativos. Se Snyder produz filmes que deixam a desejar, que tal se cada um de nós colocar a mão na massa e produzir obras mais interessantes?


Já não parece tão simples assim quanto criticar, não é mesmo?